Na teoria, Angel Deverell (Romola Garai) teve uma vida perfeita. Filha de um modesto comerciante, sua maior característica era possuir uma incrível capacidade de imaginação. Angel sonhava em ser uma escritora famosa e se recusava a atender aos apelos da mãe (Jacqueline Tong) para que voltasse à sua realidade. Ainda bem que ela não fez isso, já que, não só se tornou uma autora de fama, riqueza e sucesso, como também comprou a Mansão Paraíso (casa pela qual ela sempre passava antes de ir à escola, na juventude) e se casou com o homem de seus sonhos, o pintor Esmé Howe-Nevinson (Michael Fassbender) – irmão de sua fiel assistente Nora (Lucy Russell, numa boa performance).
No entanto, o que o roteiro de “Angel” – o qual foi escrito pelo francês François Ozon com base no livro de Elizabeth Taylor (por favor, não confundir com a atriz de mesmo nome) – nos mostra é que a personagem principal do longa é muito mais do que uma jovem de imaginação fértil. A realidade criada por Angel, em seus livros, é somente um reflexo do mundo que ela acredita habitar. Por isso ficamos com a sensação de que a escritora, na realidade, é o grande personagem de uma fábula que ela mesma tenta entender ou, para fazer uma analogia com a sua profissão, colocar no papel.
A riqueza do roteiro escrito pelo diretor François Ozon é somente um dos elementos positivos de “Angel”. A personagem título é tão complexa e interessante que é até curioso saber que Ozon escreveu todo esse filme tendo em mente a inglesa Romola Garai (pronuncia-se Romollah Garry). Quando vemos a atriz, que tem 25 anos, entendemos o por quê de ela ter sido a primeira – e única – escolha do francês. Garai possui um rosto e uma beleza bem clássicos, além de uma certa vulnerabilidade, que caem como uma luva para essa história e entrega uma performance que, a princípio, pode soar exagerada, mas, na verdade, é muito corajosa e de pura entrega a uma personagem que está imersa dentro de sua própria realidade.
Além dos elementos que já foram citados, chama a atenção no trabalho de François Ozon, em “Angel”, o cuidado que o diretor teve com os detalhes. A direção de arte, os figurinos, a trilha sonora e a fotografia (alguns enquadramentos utilizados no filme são maravilhosos) contribuem para toda uma atmosfera que faz com que “Angel” seja visto como um filme à moda antiga. O longa tem uma aura muito clássica (que remete, por exemplo, aos filmes de George Cukor – um diretor que adorava histórias centradas em personagens femininas fortes), mas, na sua essência, é uma obra que mistura fantasia e realidade e nos mostra que, não importa onde a personagem título esteja, ela não pode fugir do sofrimento que marcará os últimos anos de sua existência.
Cotação: 9,5
Angel (Angel, Inglaterra, Bélgica, França, 2007)
Diretor(es): François Ozon
Roteirista(s): François Ozon com a colaboração de Martin Crimp nos diálogos (tendo como base a obra de Elizabeth Taylor)
Elenco: Romola Garai, Sam Neill, Lucy Russell, Michael Fassbender, Charlotte Rampling, Jacqueline Tong, Janine Duvitski, Christopher Benjamin, Tom Georgeson, Simon Woods, Jemma Powell, Alison Pargeter, Seymour Matthews, Una Stubb, Rosanna Lavelle