Quando o musical “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” chegar ao fim do seu primeiro ato, provavelmente as platéias brasileiras não vão fazer a mínima idéia sobre a importância que a cena que eles acabaram de assistir tem. Esse é o momento em que Effie Melody White (Jennifer Hudson) canta “And I’m Telling You I’m Not Going”, uma das canções mais clássicas – e lindas - da história da Broadway.
“And I’m Telling You I’m Not Going” é o ápice emocional da história de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”. Um ponto de transição crucial entre dois momentos. Se essa cena desse errado, não é exagero dizer que todo o filme iria por água abaixo. Talvez por isso o cuidado extremo do diretor e roteirista Bill Condon (um dos muitos presentes na noite de estréia do musical na Broadway, em 1981, a serem enfeitiçados por toda a inovação do espetáculo criado pelo diretor Michael Bennett, pelo letrista Tom Eyen e pelo compositor Henry Krieger), que, além de escalar com zelo sua Effie (Jennifer Hudson foi a escolhida entre mais de setecentas candidatas), trabalhou extensivamente com sua atriz e equipe cada verso, frame e instante do canto de Effie. Depois de assistirmos à cena na tela grande, fica a certeza de que o esforço de Condon valeu a pena, pois este é um dos momentos mais poderosos da história dos filmes de gênero musical – e, por quê não, de qualquer outro estilo.
A música sobre rejeição e sobre sonhos despedaçados que é entoada por Effie cai como uma luva para a trama de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”, filme que retrata a trajetória do grupo Dreamettes – que é formado, além da já citada Effie, por Deena Jones (Beyoncé Knowles) e por Lorrell Robinson (Anika Noni Rose) – em busca do sucesso. Ao longo de uma década, a platéia irá acompanhar a luta delas para chegar ao topo com todas as glórias e percalços que fazem parte desse caminho.
A sorte das Dreamettes irá mudar quando elas conhecem o empresário Curtis Taylor Jr. (Jamie Foxx), que logo as toma como protegidas e lhes dá a chance de ouro: trabalhar como backing vocal de Jimmy “Early” Thunder (Eddie Murphy), um cantor de sucesso. É justamente de Curtis a polêmica decisão de afastar a temperamental, talentosa e curvilínea Effie (que também é sua amante) dos vocais principais do grupo (que, agora, se chama The Dreams) em prol da linda Deena, que, na mente empresarial de Curtis, tem mais apelo comercial – levando àquela cena crucial sobre a qual falei no início do texto.
A partir daí, “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” se divide em duas linhas narrativas: a principal, que acompanha a jornada rumo ao sucesso de Deena Jones – que foi promovida também ao posto de esposa de Curtis – and the Dreams (com Michelle Morris, que é interpretada por Sharon Leal, no lugar de Effie) e a secundária, que mostra a decadência daqueles – Effie, Jimmy e o empresário Marty Madison (Danny Glover) – que viram seus sonhos serem aniquilados pelo faro empresarial – correto, porém cruel – de Curtis.
O filme tem muitos pontos positivos. O primeiro deles se encontra no lado técnico. A fotografia de Tobias A. Schliesser, os figurinos de Sharen Davis e a direção de arte de John Myhre, Tomas Voth e Nancy Haigh são extremamente luxuosas e nos fazem embarcar numa viagem por toda a história da virada da música negra americana a partir da chegada da gravadora Motown e do empresário Barry Gordy Jr. Há que se valorizar também o trabalho de direção de Bill Condon, que conduz com maestria o seu filme. No entanto, o segundo ato de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” revela aquilo que fica escondido no primeiro ato: a má construção dos personagens e a correria para se dar um desenrolar à história.
O elenco de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” é um show à parte. Todos os atores (com exceção de Jamie Foxx) estão à vontade em seus papéis. Talvez isso aconteça, pois o tema do filme é muito próximo de suas próprias realidades (a história do musical, por exemplo, é levemente baseada na trajetória de Diana Ross and the Supremes). Beyoncé Knowles, através de sua vivência no Destiny’s Child, conhece muito bem a dura rotina de um grupo (e toda dedicação, ciúme e intriga que nele existe). Além disso, ela ainda tem um Curtis na sua vida – o pai Mathew Knowles, que controla à mão de ferro a carreira da filha e era o empresário de seu antigo grupo. Jennifer Hudson também sabe o que é ser rejeitada – isso aconteceu com ela na terceira temporada do reality show "American Idol" – e todas essas sensações, além do trabalho particular com Bill Condon, fazem com que ela componha a sua Effie de maneira estupenda, numa das melhores performances femininas de 2006. Eddie Murphy, assim como Jimmy “Early” Thunder também conhece os altos e baixos da carreira no show business.
"Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” é um filme que celebra a música e, principalmente, o mecanismo por trás do show business. Por esta razão, não se tem a necessidade da associação da trama do filme ao movimento social negro dos anos 60 ou à Guerra do Vietnã. Através de Effie, Deena, Lorrell, Michelle, Curtis, Jimmy, Marty, C.C. (o irmão compositor de Effie White, interpretado por Keith Robinson); Bill Condon mostra os preços – altos, às vezes – que os nossos sonhos cobram. Ao mesmo tempo revela também que, não importa o quanto esses sonhos sejam altos, vale a pena vivê-los.
Cotação: 7,0
Crédito Foto: Yahoo! Movies