Sunday, June 03, 2007

Shut Up & Sing (2006)

Londres, 10 de Março de 2003. Nesta época, o grupo de música country texano Dixie Chicks – que é formado pela vocalista Natalie Maines, pela violinista Martie Maguire e pela multi-instrumentista Emily Robison – estava no topo do mundo. Um show lotado no Shepherd’s Bush Empire Theatre marcava o início da turnê européia do aclamado CD “Home”. Antes de cantar a belíssima canção “Travelin’ Soldier” (que fala sobre um soldado que participou da Guerra do Vietnã), a vocalista Natalie Maines soltou uma declaração que – nas vésperas da invasão dos Estados Unidos ao Iraque – caiu como uma bomba: “Só para que vocês fiquem sabendo, nós estamos do mesmo lado que vocês. Nós não queremos esta guerra, esta violência, e temos vergonha de que o Presidente dos Estados Unidos seja do Texas”.

A recusa das Dixie Chicks em se desculpar por esta declaração e a coragem de enfrentar aqueles (especialmente a indústria country norte-americana) que lhe viraram as costas rendeu duas obras que são um marco divisor para a carreira delas. A primeira delas, o CD “Taking the Long Way”, que venceu os Grammys 2007 de Melhor Álbum do Ano, Melhor Álbum Country do Ano e Melhor Música e Gravação do Ano para o single “Not Ready to Make Nice”. A segunda foi o documentário “Shut Up & Sing”, que foi dirigido por Barbara Kopple e Cecilia Peck (filha do ator Gregory Peck), e que funciona quase como um complemento para os temas tocados pelas Chicks no álbum.

O documentário se passa em dois momentos distintos e que fazem parte desse marco divisor da carreira das Dixie Chicks. Em 2003, Barbara Kopple e Cecilia Peck mostram os desdobramentos do acontecimento no Shepherd’s Bush Empire Theatre. Enquanto as Chicks continuavam fazendo a sua turnê européia, nos Estados Unidos a situação pegava fogo. As pessoas não perdoavam o fato de que Natalie Maines, Martie Maguire e Emily Robison – o grupo feminino que mais vendeu discos na história da música – tivessem virado as costas para o seu país e, pior, tivessem feito o seu protesto contra as decisões do Presidente George W. Bush num show em um país estrangeiro.

O público altamente conservador que ama a música country nos Estados Unidos – e que forma a grande maioria dos eleitores de Bush – começou a fazer uma série de protestos contra as Dixie Chicks. CDs foram queimados, rádios ameaçadas. Quando voltaram aos Estados Unidos, as Chicks e seu empresário começaram uma espécie de operação para mostrarem ao grande público que elas não eram contra os Estados Unidos. Ou seja, as Dixie Chicks saíram do limitado universo country e viraram ícones da cultura pop – nesta época, elas chegaram a aparecer nuas em uma capa de revista e foram entrevistadas pelos grandes nomes do jornalismo norte-americano, como Barbara Walters e Diane Sawyer. O resultado: as Dixie Chicks continuaram sendo ignoradas pelas rádios country, mas venderam todos os ingressos de sua turnê no país.

A segunda linha de tempo de “Shut Up & Sing” se passa em 2006, quando as Dixie Chicks estavam em Los Angeles gravando o CD “Taking the Long Way”, sob a produção de Rick Rubin (que já trabalhou com artistas do porte de Johnny Cash e Red Hot Chili Peppers). Na indústria musical, as Chicks são conhecidas por quebrarem tendências da música country e por terem levado, pela primeira vez, o tradicionalismo do estilo a um diálogo mais aprofundado com a música pop. Elas gostam de inovar – o CD “Home”, por exemplo, trouxe à moda novamente estilos como o bluegrass – e, com “Taking the Long Way”, pela primeira vez, escreveram todas as músicas do álbum e dialogaram com estilos diversos como blues, rock, folk, gospel, pop – sem esquecer, é claro, do country.

O mais interessante é que Barbara Kopple e Cecilia Peck mostram que, nestes três anos, pouca coisa mudou para as Dixie Chicks no que diz respeito à indústria country. Elas continuam sendo ignoradas pelas rádios, pelo público do gênero e pelos shows de premiações da categoria. No entanto, mantiveram o sucesso de vendas (o álbum ficou em primeiro lugar na parada da Billboard na semana de seu lançamento) e, apesar do fato de que o grupo teve uma turnê complicada (com shows cancelados e vendas maiores de ingressos em países estrangeiros), elas se viram diante um novo público – mais adulto e consciente.

“Shut Up & Sing” é um documentário que leva o público além na relação com o ídolo. Quem gosta das Dixie Chicks, as verá no seu momento mais vulnerável, em que as incertezas eram uma constante e em que o medo em relação ao futuro era atenuado por todo um processo de amadurecimento pessoal que as deixou muito mais próximas e fortes e que se reflete, hoje, na maneira em que elas fazem negócios. Quem não gosta das Dixie Chicks, pode ver o documentário como um exemplo de como a liberdade de expressão é um conceito mal utilizado – será que ela existe de verdade? No entanto, o ponto mais positivo de “Shut Up & Sing”, com certeza, é o fato de que, no filme, a controvérsia é o assunto principal, mas é a música das Dixie Chicks que fala por si – e é este o verdadeiro legado delas.

Cotação: 9,0

Crédito Foto: Yahoo! Movies

9 comments:

Alex Gonçalves said...

Kamila, confesso a você que desconheço as "Dixie Chicks" o que me faz não ter palavras para comentar a respeito do documentário. De qualquer forma, já deixei anotado para um dia dedicado a "matar curiosidades".
Excelente semana.

Museu do Cinema said...

Eu gosto muito dessa mistura de country que artistas como Dixie Chicks e Dave Matthews Band fazem, alias, DMB é o melhor som há uns 10 anos vindo dos EUA.

Túlio Moreira said...

Puxa, Kamila, você vai perdoar minha ignorância, mas nunca tinha reparado nessas Dixie Chicks.

Agora que li seu texto, só posso dizer uma coisa: essas garotas têm peito! (no sentido menos óbvio da coisa) e uma trajetória no mínimo curiosa.

bjo e boa semana!

Kamila said...

Alex e Túlio, é até normal as pessoas aqui no Brasil não conhecerem as Dixie Chicks, pois eu nunca as vi na MTV, VH1 ou em qualquer outro meio de comunicação. Eu as conheci em 2001, quando a MGM passou o "America Tribute to Heroes", o teleton em prol das vítimas do 11 de setembro.

Túlio, as Chicks têm muita coragem. No texto, eu só me prendi à controvérsia com George W. Bush, pois este é o assunto do documentário, mas elas já enfrentaram muita gente, como a porção redneck (e radicalíssima) da indústria country e a própria indústria fonográfica. Há uns 6 anos, elas entraram com um processo contra a Sony, cujo resultado modificou o relacionamento que a gravadora passou a ter com seus artistas.

Cassiano, eu gosto muito do Dave Matthews Band. Acho que eles, como músicos, são um dos melhores que eu já vi. Mas, você vai me perdoar, "Taking the Long Way" e "Home" (os dois últimos álbuns das Chicks) são os melhores discos que eu escutei desde o lançamento de "Ok Computer", do Radiohead.

Beijos e boa semana!!

Marcus Vinícius said...

Bah, fiquei curioso agora. Já ouvi falar delas, mas confesso que também ainda não ouvi. Documentários musicais sempre me chamaram muito a atenção (estou baixando um sobre o cenário americano de punk dos anos 80), independente do gênero (salvo raras exceções). Enfim, primeiro passo ouvir é ouvir essas meninas, pra depois, vê-las.
Bjo e até mais.

Museu do Cinema said...

Olha Kamila, a MTV principalmente faz uma festa danada com OK Computer, acho que não é essas coisas toda. É OK...

Quanto ao DMB sou fã de carteirinha e de CD, tenho todos. Acho excepcional!

Kamila said...

Marcus Vinícius, também gosto de documentários musicais independentes do gênero e sempre estimulo as pessoas a conhecerem a música das Dixie Chicks.

Cassiano, eu adoro "Ok Computer". Acho um baita álbum. E Dave Matthews Band é muito bom. Já disse e repito que, musicalmente, eles são muito bons mesmo.

Otavio Almeida said...

UAU! Elas disseram isso, é? Que legal! Eu só não conheço muito das Dixie Chicks para comentar o seu post de forma justa...

Bjs!

Kamila said...

Otávio, a recomendação que te faço é a mesma que fiz ao Túlio e ao Alex. Conheça já as Chicks!!! :-)

Beijo.