Wednesday, February 28, 2007

A Grande Família - O Filme (2007)


Em uma entrevista publicada há quase dois anos na revista Bravo!, o diretor, roteirista e produtor pernambucano Guel Arraes respondeu aos críticos de suas obras ao afirmar que faz um “cinema popular brasileiro”, contando histórias que representem de maneira fiel o povo brasileiro. Se formos pensar dessa maneira, não existe na televisão atual uma família mais brasileira do que os Silva, que protagonizam o seriado “A Grande Família”, na TV Globo. Todos nos sentimos íntimos de Lineu (Marco Nanini), Nenê (Marieta Severo), Tuco (Lúcio Mauro Filho), Bebel (Guta Stresser), Agostinho (Pedro Cardoso), Marilda (Andréa Beltrão) e Beiçola (Marcos Oliveira). Após seis anos de sucesso nas noites de quinta-feira, o seriado segue o caminho de outros programas, como “Os Normais”, e faz a sua transição para o cinema.

O roteiro de “A Grande Família – O Filme”, que foi escrito por Cláudio Paiva e Guel Arraes, segue uma linha independente da do seriado. Após a morte de um colega de trabalho, Lineu procura um médico para fazer um check-up. O resultado dos exames indica que Lineu tem uma mancha no peito. Temendo o pior, o patriarca decide não saber se as suas perspectivas de vida são boas. Pensando que vai morrer, Lineu começa a se preocupar com o futuro daqueles que irão permanecer após a sua partida.

Quem acompanha com regularidade o seriado sabe que, além da personalidade certinha, um dos traços marcantes de Lineu é a condição dele de pilar da família Silva. É à sua correção e conforto que todos recorrem. O que a trama de “A Grande Família – O Filme” reitera é somente a transformação que Lineu tenta fazer nos seus parentes. Ele quer que Agostinho deixe a vida de malandro e ofereça segurança financeira para Bebel (ainda mais agora que eles decidiram ter um filho). Ele quer que Tuco decida finalmente qual o rumo que dará à sua vida. E, principalmente, Lineu quer ter a certeza de que Nenê continuará a ser bem cuidada. É nesta última parte que o filme nos introduz a um novo personagem: Carlinhos (Paulo Betti), o gerente de supermercados com o qual Nenê planejava se encontrar na noite em que acabou começando a namorar Lineu.

“A Grande Família – O Filme” começa quando Lineu e Nenê estão prestes a completar quarenta anos de casados. A celebração do aniversário de casamento é feita sempre no baile em que eles se conheceram. A notícia que Lineu recebe sobre o seu estado de saúde faz com que ele comece a tomar uma série de atitudes, as quais são recebidas com estranhamento pela sua família e que fazem com que Nenê se reaproxime de Carlinhos.

“A Grande Família – O Filme” é uma película que agradará em cheio aos fãs do seriado. Para os cinéfilos que não conhecem o programa, o filme será também uma experiência interessante. O diretor Maurício Farias escolheu um recurso narrativo já utilizado em filmes como “Corra, Lola, Corra” e retrata o desespero de Lineu em três versões diferentes, mas que possuem algo em comum: a valorização da família como o eixo principal de nossas vidas, afinal essa é a única constante que possuímos.

Cotação: 6,5

Crédito Foto: Yahoo! Cinema

Saturday, February 24, 2007

Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (Borat, 2006)


O comediante inglês Sacha Baron Cohen ficou conhecido no mundo todo quando um de seus personagens, Ali G, participou do videoclipe de “Music”, primeiro single do álbum homônimo da cantora Madonna. A participação rendeu para Cohen um convite para ser o mestre de cerimônias do prêmio MTV Europe Music Awards, em 2001, e uma série de TV chamada “Da Ali G Show”, da HBO. Na folga do trabalho na TV, Cohen sempre teve algumas passagens discretas pelo cinema, em filmes como “Ali G Indahouse” e, mais recentemente, em “Ricky Bobby – A Toda Velocidade”. Mas, foi somente com o documentário “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América”, do diretor Larry Charles (conhecido pelo trabalho na série “Curb Your Enthusiasm”), que ele realmente conseguiu atrair a atenção.

O protagonista de “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” é mais uma criação de Sacha Baron Cohen. Borat Sagdiyev nasceu no Cazaquistão e é um repórter de TV. No início do filme, conhecemos a vila na qual ele mora, com seus pitorescos habitantes e sua família – a irmã prostituta, a esposa mandona e a mãe. O Cazaquistão, fala Borat, é um país cheio de coisas boas, mas também tem muitos problemas. Para ajudar o Cazaquistão a solucioná-los, o Ministério da Informação do país envia Borat aos Estados Unidos para que ele possa conhecer a cultura do local.

É justamente a viagem de Borat pelos Estados Unidos que ocupa toda a trama do filme. Nela, acompanhamos Borat nos seus encontros com outros personagens peculiares, como o professor de humor, a professora de etiqueta, os anfitriões de um jantar chique, o professor da auto-escola, o vendedor de carros, dentre outros. Além disso, Borat encontrará figuras típicas dos Estados Unidos e que só confirmam os estereótipos que temos sobre elas – as feministas são radicais e não aceitam discutir, os estudantes universitários são imbecis e os cowboys são machões inveterados.

Nesses encontros, o que chama a atenção, é o certo didatismo que os norte-americanos adotam diante de alguém que é diferente culturalmente. Borat é um prato cheio nesse sentido, pois é anti-semita, machista e antigay. No entanto, o choque vem quando assistimos aos entrevistados de Borat saírem do que é considerado politicamente correto e revelando aqueles pré-conceitos que só são percebidos quando estamos numa zona de pleno conforto.

“Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” poderia muito bem seguir a linha dos mockumentaries do diretor e roteirista Christopher Guest. A diferença é que, nos filmes de Guest, os atores estão atuando o tempo todo. No filme de Sacha Baron Cohen, somente ele e o seu fiel escudeiro (o ator Ken Davitian) interpretam. As outras pessoas abaixam as suas guardas e agem de maneira extremamente natural. E é essa espontaneidade o ponto mais positivo do filme. “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” é uma comédia de nossa vida privada.

E, ao contrário de filmes como “Todo Mundo em Pânico”, em que as piadas de mau gosto são completamente reprováveis, as cenas que assistimos em “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” – mesmo aquelas que beiram o mau senso e que nos fazem pensar “isso realmente está acontecendo?" – são hilárias. É difícil não rir do falso moralismo norte-americano e da cara de pau de Sacha Baron Cohen ao desrespeitar coisas que os norte-americanos valorizam ao extremo, como o hino nacional. O filme é tão bom nessa vontade de rir de si mesmo que até Pamela Anderson (o objeto de desejo de Borat) embarcou nessa aventura. O desafio agora será construir a anunciada continuação deste documentário após a transformação de Borat num ícone da cultura pop.

Cotação: 8,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Wednesday, February 21, 2007

Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima, 2006)


Quando estava fazendo aquela obrigatória pesquisa sobre a batalha de Iwo Jima para o filme “A Conquista da Honra”, o diretor Clint Eastwood ficou apaixonado pela figura do General Kuribayashi, que liderou o exército japonês contra os norte-americanos naquela ocasião. Como “A Conquista da Honra” trata da batalha sob o ponto de vista dos Estados Unidos, Eastwood teve uma idéia ousada: filmar a mesma história sob o ponto de vista japonês. Após uma pequena persuasão aos produtores que financiaram “A Conquista da Honra”, Eastwood começou a pré-produção de “Cartas de Iwo Jima”.

De uma certa maneira, “Cartas de Iwo Jima” aprofunda algumas das questões levantadas em “A Conquista da Honra”. Se o filme japonês deixa de lado os efeitos que a guerra tem nos soldados que dela participam, ele compartilha algo muito importante com o filme norte-americano: a discussão sobre a figura do herói – ou, mais precisamente, sobre o que faz de um homem um herói. Além disso, “Cartas de Iwo Jima” discursa sobre sentimentos como o medo e a sensação de fracasso.

Neste sentido, o fracasso está ligado a uma velha tradição japonesa: a do suicídio como saída honrosa perante a falha. Quando Clint Eastwood e os roteiristas Iris Yamashita e Paul Haggis nos apresentam os soldados japoneses que se encontram no monte Suribachi, eles estão em clara desvantagem se comparados aos norte-americanos. Há, do lado japonês, a escassez de homens, de armas, munições e aviões. O exército japonês, então, designa o General Kuribayashi (uma belíssima interpretação de Ken Watanabe) – que recebeu treinamento nos Estados Unidos e, portanto, conhece o modo norte-americano de se pensar – para comandar a tropa japonesa no local.

A estratégia adotada por Kuribayashi para defender o monte Suribachi do exército norte-americano não é suicida, como muitos acreditam; e sim realista. O General sabe das poucas chances que os japoneses têm de vencer os norte-americanos, então a sua vitória será fazer com que os seus soldados lutem ao máximo e resistam às idéias de suicídio coletivo ou da rendição – é aqui que entra a importante trama paralela que acompanha o padeiro transformado em soldado, Saigo (Kazunari Ninomiya, numa ótima interpretação), que anseia voltar para a sua família são e salvo, apesar das evidências indicarem justamente o contrário.

“Cartas de Iwo Jima” dialoga muito com “A Conquista da Honra”. Assim como aconteceu no filme norte-americano, Clint Eastwood demonstra, no filme japonês, um pleno domínio de seu ofício. No entanto, não dá para a gente conter a impressão de que, em “Cartas de Iwo Jima”, tudo é melhor. A começar pela fotografia em tons cinzentos de Tom Stern e pela linda canção de ninar composta por Kyle Eastwood (filho do diretor) e Michael Stevens. No entanto, o que mais difere “Cartas de Iwo Jima” de “A Conquista da Honra” é que o filme japonês possui um elemento que falta à película norte-americana: coração. Desde o início fica bem claro que Eastwood se interessa muito pelos soldados japoneses e quer saber quem eles são, de onde vieram e o que esperam. Contudo, a alma de “Cartas de Iwo Jima” se encontra na figura do General Kuribayashi. É ele quem representa todos os temas que o filme aborda – o medo do fracasso, a impotência frente a um futuro que não existe e o adiamento ao máximo do inevitável (a morte).

Ao entregar duas obras sobre um único acontecimento da II Guerra Mundial, Clint Eastwood acabou fazendo um belo ensaio sobre a luta armada. O que se tira de “A Conquista da Honra” e, principalmente, “Cartas de Iwo Jima” é que a guerra, além de injusta, é desigual e cruel. O importante, Eastwood mostra, é manter a coerência e honrar aquilo em que cada ser acredita. Por isso, quem conhece um pouco do caráter e da personalidade de Eastwood compreende logo o por quê de sua admiração à figura do General Kuribayashi. Na maior das batalhas – a da vida –, os dois entenderam que é da resistência que vem a maior das vitórias.

Cotação: 9,0

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Thursday, February 15, 2007

Perfume - A História de um Assassino (Das Parfum - Die Geschichte Eines Mörders, 2006)


O senso comum nos diz que os olhos são a janela para a alma. O filme “Perfume – A História de um Assassino”, do diretor alemão Tom Tykwer (também co-autor do roteiro do filme ao lado de Andrew Birkin e Bernd Eichinger), fala justamente o contrário: a fragrância que cada ser possui é a representação de sua alma. O filme todo se apóia num dos sentidos que nós possuímos – o do olfato – e usa justamente essa maneira de perceber as coisas que estão ao nosso redor para construir toda a personalidade de seu personagem principal, Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw).

Grenouille nasceu em Paris, capital da França, em um mercado de carnes, peixes, frutas e legumes, ou seja, um local de cheiro muito característico. A sua primeira comunicação com o mundo não foi nem através do choro (como é comum ao resto dos bebês), e sim através da tentativa de sentir as diversas fragrâncias que o rodeavam. Essa busca por tentar compreender o mundo através dos seus diversos cheiros vai ser uma constante na vida de Grenouille – seja no orfanato aonde ele passou a infância ou no local aonde ele trabalhou durante muito tempo como escravo.

A trama de “Perfume – A História de um Assassino” começa a dar uma virada quando Grenouille conhece Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), um homem que hoje é somente o resquício do grande perfumista que um dia ele foi. Grenouille causa uma impressão muito grande em Baldini, pois tem uma vocação natural para perceber a composição de certos perfumes. Os dois, então, estabelecem um acordo entre si: Baldini compra Grenouille de seu dono e, em troca de diversas fórmulas novas para criar seus perfumes, ensina todo o ofício para seu dedicado aprendiz – e, em especial, uma técnica de conservação de fragrâncias, algo que interessa muito a Grenouille.

No segundo ato, Grenouille – já livre da influência de Giuseppe Baldini – começa a fazer seu próprio caminho como perfumista. Mas, para ele, a verdadeira obsessão não era a criação de novos perfumes, e sim os experimentos que ele faz em busca de encontrar uma maneira de conservar permanentemente o cheiro que cada ser possui. Nesse sentido, Grenouille levará a sua arte aos limites quando se transforma em um serial killer que mata garotas no auge de sua beleza física – a sua presa mais cobiçada será a jovem Laura Richis (Rachel Hurd-Wood), filha do poderoso Antoine Richis (Alan Rickman). E, como todo assassino serial, Grenouille guarda como lembrança de suas vítimas os perfumes que ele faz a partir das fragrâncias de seus corpos.

Baseado num livro de Patrick Suskind, “Perfume – A História de um Assassino” é um filme que revela a versatilidade de Tom Tykwer, um diretor de filmes mais urbanos, mas que aqui tem seu estilo perfeitamente encaixado em um filme de época. À boa direção de Tykwer, podemos adicionar como elementos expressivos em “Perfume – A História de um Assassino”, a fotografia, a direção de arte e os figurinos. No entanto, o filme começa a pecar quando está bem perto de seu final. A maneira pela qual Tykwer decidiu concluir seu filme não é satisfatória e romantiza muito as causas por trás da obsessão de Grenouille. Ao invés de tentar ser diferente, Tykwer deveria ter sido convencional na sua conclusão.

Cotação: 6,0

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Wednesday, February 14, 2007

Rocky Balboa (2006)


Para parafrasear um pouco da linguagem esportiva, a história do personagem Rocky Balboa sempre foi um azarão, nunca a favorita. Sylvester Stallone – que, em 1976, ainda não era o astro no qual se transformou – ficou fascinado por uma história de um boxeador que, contra todas as chances, conseguia se superar e enfrentar de igual para igual o seu adversário; e decidiu fazer um roteiro. Até que “Rocky – Um Lutador” chegasse à grande tela, muita coisa aconteceu e o próprio Stallone conseguiu convencer os produtores da força de sua história e da importância que seria para ele estrelar este projeto. A aposta de Stallone provou-se correta, uma vez que “Rocky – Um Lutador” foi indicado a 10 Oscars, e ganhou as estatuetas de melhor direção (para John G. Avildsen), edição e, para surpresa geral, a de melhor filme.

Após algumas continuações de gosto duvidoso, Sylvester Stallone traz de volta o seu personagem no filme “Rocky Balboa”, que ele dirigiu e roteirizou. No filme, Rocky se aposentou dos ringues e virou o dono de um restaurante. De certa maneira, Rocky vive preso ao passado de glória como lutador (contando suas histórias aos clientes de seu restaurante) e como esposo de Adrian (a personagem de Talia Shire, que, no filme, faleceu recentemente). Esse “fardo” que ele carrega, o impede de ter uma relação harmoniosa com o filho Robert (Milo Ventimiglia), que tenta fugir como o diabo da cruz do peso que carrega o nome de seu pai.

Ao mesmo tempo em que lida com a decadência de Rocky, o filme analisa um pouco do cenário atual do boxe. O esporte virou um show e está – se possível – mais físico do que nunca. As lutas são decididas em questão de segundos – fato que não agrada aos fãs de boxe que pagam caro para ver lutas que duram cerca de um minuto. O supercampeão Mason Dixon (Antonio Tarver) é um representante perfeito deste novo boxe. Com a imagem arranhada, os empresários do supercampeão decidem convidar Rocky para uma última luta depois que um jogo de computador decreta que Rocky venceria Dixon em um cenário virtual. Ou seja, a luta representa uma chance para ambos os lutadores sentirem o gostinho novamente de uma glória que andava perdida.

O roteiro de Sylvester Stallone dialoga muito com o filme “Rocky – Um Lutador”. É como se Stallone – ao colocar Rocky treinando nas ruas da Filadélfia, socando carnes, superando dificuldades e subindo novamente as escadarias do Museu de Arte da Filadélfia ao som da clássica trilha de Bill Conti, “Gonna Fly Now” – estivesse tentando recuperar a essência do personagem e aquilo que o transformou em um ícone de garra e de superação para tantas pessoas.

De uma maneira muito peculiar, a trajetória de Sylvester Stallone e a de Rocky Balboa se confundem muito. Os dois experimentaram um grande sucesso. Os dois também vivenciaram uma decadência e se transformaram em uma relíquia do passado. E é a esse tempo que os dois recorrem. Se a luta com Mason Dixon significa para Rocky uma oportunidade de sair de cena de maneira honrosa, o filme “Rocky Balboa” representa para Stallone a chance de reviver a sua carreira. Se com Rocky não der certo, sempre tem aquele projeto de “Rambo 4” pronto para ser colocado em prática.

Cotação: 6,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Saturday, February 10, 2007

A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers, 2006)


Os retratos de uma guerra bem que poderiam ilustrar aquelas populares seções de revista que ganham o nome de “Antes/Depois”. É incrível a mudança pela qual passam os soldados que vivenciam uma guerra. Se no momento do embarque vemos imagens de jovens alegres e ansiosos, que estão conscientes e preparados para se tornarem heróis e darem a vida pelo seu país; no desembarque assistimos à chegada de seres que carregam em si as dores e as marcas dos fatos vivenciados na batalha.

Não é todo mundo que tem fibra para continuar a vida depois de testemunhar atos de extrema crueldade e de conhecer o sofrimento na sua mais pura forma. O filme “A Conquista da Honra”, de Clint Eastwood (que além de dirigir, produziu e compôs a trilha sonora original do filme), fala não só sobre um fato isolado da II Guerra Mundial (a batalha que se deu entre japoneses e norte-americanos, em Iwo Jima, no Japão, pelo controle do monte Suribachi), como também sobre os efeitos que o combate teve na vida de três homens: o enfermeiro da Marinha John “Doc” Bradley (Ryan Phillippe) e os soldados Rene Gagnon (Jesse Bradford) e Ira Hayes (Adam Beach).

Os três homens se tornaram um símbolo dentro de seu país graças a uma foto que mostrava um grupo de seis soldados erguendo uma bandeira dos Estados Unidos no monte Suribachi. A foto, nos Estados Unidos, se transformou em um símbolo da vitória, fazendo com que as pessoas recuperassem as suas crenças nas razões que levaram o país à guerra. Alçados à condição de heróis nacionais, Bradley, Gagnon e Hayes (os três sobreviventes do grupo que estava na foto) voltam aos Estados Unidos para fazerem uma turnê em diversas cidades com o objetivo de arrecadar dinheiro para a construção de tanques e navios e para a compra de armamentos e munições.

"A Conquista da Honra” retoma a II Guerra Mundial e a luta no monte Suribachi através de flashbacks – as lembranças de John Bradley, Rene Gagnon e Ira Hayes podem ser trazidas por um simples barulho ou saudação. Além disso, o filme é contado pela perspectiva das pessoas que estiveram em combate com os três heróis – e que são entrevistadas pelo filho de Bradley, James, que só descobriu que o pai foi herói de guerra depois da morte dele (o livro de James Bradley, por sinal, foi a obra que inspirou o roteiro de “A Conquista da Honra”).

Na época de seu lançamento, “A Conquista da Honra” foi muito comparado com o filme “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg. A comparação entre os dois filmes chega a ser muito injusta. A única coisa que eles têm em comum é o fato de que se situam na II Guerra Mundial e por terem cenas de batalha extremamente bem dirigidas. Mas, ao contrário do filme de Spielberg, “A Conquista da Honra” mergulha naquele conceito (“seja um herói”) que é utilizado para persuadir jovens a se alistarem para participar de guerras. Afinal, o que é ser um herói? Eastwood mostra, através de seu filme, que construir a figura de um herói é fácil (e os norte-americanos são mestres nisso), mas se manter como herói é muito difícil. “A Conquista da Honra” revela que o heroísmo vem da luta diária e pode acontecer, por exemplo, quando um pai tem que lidar com seus próprios demônios e suas próprias lembranças e tenta proteger aqueles que ama de tudo isso - mesmo que isso venha ao custo de ter que esconder uma parte importante de sua vida deles.

Cotação: 7,2

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Friday, February 09, 2007

A Rainha (The Queen, 2006)


Na era da televisão, o nosso imaginário é povoado por imagens da Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que ascendeu ao posto em 06 de Fevereiro de 1952, aos 26 anos, logo após a morte de seu pai, o Rei George VI – quem quiser conhecer um pouco mais da história que levou George ao trono inglês, pode conferir o telefilme “Wallis e Edward”, que retrata o romance entre o Rei Edward VIII e a norte-americana Wallis Simpson, e de que maneira Edward preferiu o amor ao poder. De qualquer maneira, nenhuma câmera penetrou na alma e na mente da Rainha Elizabeth II como a do diretor inglês Stephen Frears no filme “A Rainha”.

O excelente roteiro do filme, que foi escrito por Peter Morgan (também co-autor do roteiro de “O Último Rei da Escócia”), retrata o que aconteceu na Inglaterra e, principalmente, nos bastidores do poder na semana seguinte à morte da princesa Diana em um acidente de carro, em Paris, no dia 31 de agosto de 1997. O contexto histórico do filme reflete um momento de mudança na Inglaterra, com a recente eleição do primeiro-ministro Tony Blair (o primeiro trabalhista da história a ser eleito para o cargo e que é interpretado no filme de maneira soberba por Michael Sheen, que foi injustamente esquecido pela Academia) pelo povo britânico.

O filme deixa de ser uma simples recriação de um momento da história para ser uma obra especial ao vermos a maneira pela qual Peter Morgan optou por contar a sua história. Por mais que ele tenha colhido depoimentos de pessoas que estiveram presentes nos bastidores daqueles dias, Morgan coloca sua própria interpretação sobre o fato e mergulha na mente, nos valores e nas convicções da Rainha Elizabeth II. A Rainha nos é apresentada como uma mulher altiva, forte e que preza muito a tradição. Tony Blair, ao contrário, é visto como um homem prático, moderno e muito mais preparado para o show que vem inevitavelmente ao lado do poder.

Todos sabemos que a família real britânica tinha seus problemas com Diana. A morte dela traz à tona toda a admiração que o povo britânico tinha por aquela que seria a sua futura rainha. A família real – a Rainha Elizabeth II (Helen Mirren), o Príncipe Philip (James Cromwell), a Rainha Mãe (Sylvia Sims) e o Príncipe Charles (Alex Jennings) – não consegue compreender isso. Cabe à Rainha Elizabeth II tentar entender os anseios do povo por um funeral público da Princesa e por fazer com que a família real demonstre o luto que está sentindo.

E é aqui que entra a interpretação já antológica de Dame Helen Mirren como Elizabeth II. Não é só a transformação física. São os gestos, o tom de voz, a postura. Mirren transpõe aquela barreira que poucos atores ultrapassam - na tela, não existe a pessoa Helen, e sim sua personagem. Como platéia, estamos entregues à Rainha. Na sua performance, Mirren nos mostra a mulher privada, em contraste com a imagem pública que conhecemos. Na visão da atriz, a Rainha Elizabeth II é uma mulher que entende o significado da palavra sacrifício (ela viu, afinal, a II Guerra Mundial e testemunhou o que o exercício do poder causou no seu pai) e que vê o desempenho do poder como algo que tem que ser feito na esfera privada – primeiro, para ser de valor ao legado de sua família e, em segundo lugar, para ser respeitada pelo seu povo.

A Rainha Elizabeth II de Mirren é uma mulher que se recusa a ceder àquilo que ela não acredita – e, principalmente, declina em aceitar a orientação de alguém (Blair) que, na cabeça dela, ainda não sabe que é o verdadeiro exercício de poder. Depois de muita reflexão, de algumas cenas fantásticas (como a conversa telefônica entre ela e Blair sobre qual a maneira correta de se vivenciar o luto e a que mostra a visão do veado pela solitária Rainha), Elizabeth II realiza a vontade do povo – e isso só acontece quando ela vê que o legado, o bom nome da família real e o regime monárquico em si podem sair prejudicados.

“A Rainha” é um filme muito simples e que não chama muito a atenção pelos seus elementos estéticos. Mas, a experiência de se assistir ao filme é única, não só pelas interpretações de Helen Mirren e Michael Sheen, como também pela direção de Stephen Frears e pelas palavras de Peter Morgan. O filme é especial, pois tem uma linda mensagem num tempo em que tanta gente está desiludida com os rumos políticos que o mundo toma. Através da análise do que aconteceu na Inglaterra após a morte da Princesa Diana, “A Rainha” mostra o verdadeiro poder que uma única ação pode ter para mudar o curso da história. Sem protestos ou uso de violência, o povo conseguiu com que a política, por um único momento, atendesse aos anseios populares. Além disso, o filme faz com que a figura da Rainha Elizabeth II, aquela senhora simpática que costumamos ver em rituais estritos ou como personagem principal de esquetes humorísticas, se torne objeto de admiração pela mulher que ela é. Nesse sentido, todas as reverências vão para Helen Mirren.

Cotação: 10,0

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Tuesday, February 06, 2007

À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness, 2006)


“E foi nesta época que eu pensei sobre Thomas Jefferson ao escrever a Declaração da Independência. Ele dizendo que nós temos o direito à vida, à liberdade, e à busca da felicidade. E eu pensei sobre como ele sabia que deveria pôr a palavra ‘busca’ ali, como se ninguém pudesse ter felicidade. Nós só poderíamos buscá-la”. Essa frase, dita por Chris Gardner (Will Smith, indicado ao Oscar 2007 de Melhor Ator), representa toda a essência do filme “À Procura da Felicidade”, do diretor italiano Gabriele Muccino.

O filme, que é inspirado em uma história real, conta a história de Chris, um homem inteligente, talentoso, mas que, devido às circunstâncias de sua vida – o pai ausente era somente uma delas –, teve que amadurecer muito cedo. Ao contrário de seus amigos, Chris saiu direto do colegial para encarar uma carreira militar – uma opção que é muito comum para os jovens que não têm dinheiro para bancar uma faculdade. A carreira na Marinha não foi longa e quando Chris se casou com Linda (Thandie Newton) e o filho Christopher (o estreante Jaden Christopher Syre Smith, filho de Will e Jada Pinkett Smith na vida real) nasceu, ele começou a se aventurar pelo ramo de vendas – mais precisamente de um equipamento médico.

“À Procura da Felicidade” se passa durante os anos 80, na época em que Ronald Reagan assumiu a presidência dos Estados Unidos e o país vivia uma época delicada na sua economia. Chris e sua família passavam pela mesma situação difícil. O salário de Chris e Linda já era todo comprometido com as dívidas que possuíam, a vida conjugal dos dois não existia e o ambiente familiar do casal não era feliz. Chris e Linda se separam e ele é quem fica com a guarda do filho Christopher – para cumprir uma promessa que ele havia feito no momento do nascimento do filho: a de nunca se afastar dele.

Com uma nova realidade e a obrigação cada vez maior de sustentar uma casa e o que sobrou daquilo que um dia foi uma família, Chris decide embarcar num sonho e na sua própria busca por aquilo que todos nós chamamos de felicidade. Ele abandona o ramo de vendas e aposta em uma nova carreira: a de corretor da bolsa de valores (porque todos eles pareciam ser tão felizes). Como nós iremos suspeitar, a trajetória de Chris no programa de estágio (que não oferece bolsa salarial e do qual somente um sairá empregado) não será nada fácil. Mesmo tentando proteger ao máximo o filho Christopher, é ao lado dele que Chris passará pelas maiores dificuldades. Mas, não se preocupem que o final feliz do filme está garantido.

“À Procura da Felicidade” se apóia única e exclusivamente na figura do ator Will Smith. E ele é, sem dúvida, um dos atores mais carismáticos de Hollywood. Não precisava nem dele na tela para fazer com que a gente se identificasse com a inspiradora história de esforço, de perseverança, de superação e de vitória de Chris Gardner. Também não precisava nem o diretor Gabriele Muccino utilizar alguns mecanismos para fazer a gente chorar, pois as lágrimas vêm naturalmente.

A trama do filme em si, que foi criada por Steve Conrad, é uma grande propaganda do sonho americano. Os norte-americanos, como povo, podem sempre estar com sua imagem arranhada; mas os Estados Unidos, como país, vão sempre representar a idéia da terra do progresso e das oportunidades. Histórias como a de Chris Gardner só mostram que o sonho está mais vivo do que nunca. E a maior prova disso é o sucesso que “À Procura da Felicidade” vem obtendo nas diversas partes do mundo e, especialmente, no próprio Estados Unidos.

Cotação: 7,8

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Saturday, February 03, 2007

Babel (2006)


No brilhante início de “O Senhor das Armas”, filme do diretor e roteirista Andrew Niccol, o personagem de Nicolas Cage, um traficante de armas chamado Yuri Orlov, faz uma afirmação que cai como uma luva para o que assistiremos em “Babel”, última (literalmente) parceria da dupla mexicana formada pelo diretor Alejandro Gonzalez-Iñárritu e pelo roteirista Guillermo Arriaga: é impossível controlar o que acontecerá com as armas e as munições a partir do momento em que elas deixam as fábricas ou os pontos de venda.

Em “Babel”, o caminho que uma arma percorre é bem menos tortuoso do que o delineado pelo início do filme “O Senhor das Armas”. Um japonês (Kôji Yakusho), fanático por caças, vai ao Marrocos e deixa de presente a sua espingarda para o homem que lhe serviu de guia naquele período. Esse homem, por sua vez, vende a arma para um vizinho, que deixa o seu “brinquedo” nas mãos dos dois filhos, que usarão o rifle para espantar os lobos que teimam em se alimentar das parcas posses que a família deles possui. No entanto, numa brincadeira infantil e inconseqüente, os dois irmãos acabam atirando em um ônibus cheio de turistas e atingem a norte-americana Susan (Cate Blanchett), que viajava em companhia do marido Richard (Brad Pitt). Um acontecimento que, nas mentes de Alejandro Gonzalez-Iñárritu e de Guillermo Arriaga, tem efeitos nas vidas de diversas pessoas, espalhadas em diversas partes do mundo.

Além do casal Susan e Richard (Brad Pitt) e da família marroquina, que iniciam esse efeito “bola de neve” visto no roteiro de “Babel”, as vidas dos seguintes personagens são afetadas pelo simples tiro dado pelos meninos marroquinos: Chieko (Rinko Kikuchi), uma jovem japonesa surda-muda; e Amelia (a fantástica Adriana Barraza), uma babá mexicana que cuida de Mike (Nathan Gamble) e Debbie (Elle Fanning, a irmã de Dakota), os filhos de Susan e Richard. Para contar as histórias destes personagens, Iñárritu utiliza um recurso que já é conhecido daqueles que são familiarizados com seus dois filmes anteriores, “Amores Brutos” e o excepcional “21 Gramas”, e mistura as diversas linhas narrativas em uma ordem que não segue a cronologia ou a importância que cada um desses seres possuem para a história que ele quer contar.

Alguns elementos chamam a nossa atenção no desenrolar da trama de “Babel”. O primeiro deles é a riqueza das histórias criadas por Alejandro Gonzalez-Iñárritu e por Guillermo Arriaga. A seu modo, cada uma delas dariam 3 ou 4 ótimos filmes. Porém, ao final de “Babel”, não dá para conter a impressão de que, para justificar o seu propósito inicial, algumas histórias (como a do casal Susan e Richard) sejam sacrificadas e, por isso, não são desenvolvidas de maneira adequada.

O segundo deles é o tema comum da falta de comunicação. Independente do acontecimento do tiro em Marrocos, todos os personagens presentes em “Babel” tomam decisões equivocadas pela simples falta de uma conversa com alguém. O roteiro deixa implícito que o casal Susan e Richard está em crise e que a viagem ao Marrocos seria uma última tentativa de salvar a relação. Que me desculpem os marroquinos, mas quem quer ter uma segunda lua-de-mel vai para Paris, Cancun ou uma ilha no estilo de Fernando de Noronha.

Amelia, uma imigrante ilegal, comete o erro de passar pela vigiadíssima fronteira Estados Unidos-México com duas crianças norte-americanas (será que Susan e Richard não deixaram nenhum contato familiar com a babá? Que qualidade de pais eles são se não fizeram isso?) e ainda pega uma carona com o sobrinho (Gael Garcia Bernal) visivelmente alcoolizado. Já Chieko está naquela fase da adolescência em que vê todas as amigas descolando namorados, enquanto ela permanece sozinha. Será que ela tem algo de errado? Ela é feia? Seu corpo não é atraente? Na falta da mãe (que se suicidou), Chieko precisa de uma referência e o pai (que, talvez, está muito absorto em seus próprios problemas) é muito egoísta para perceber isso.

Se a gente for tentar esquecer essas “liberdades” criativas, “Babel” é um bom filme. É uma prova de que Alejandro Gonzalez-Iñárritu é um dos cineastas mais competentes que temos na atualidade. Seu brilhantismo está presente em cenas como as que mostram Amelia e as duas crianças em pleno deserto e nas cenas em Tóquio, que são lindamente filmadas (a tomada final de “Babel” com Chieko e seu pai é digna do posto de uma das cenas mais tocantes de filmes lançados em 2006). No entanto, se comparado ao filme anterior da dupla Gonzalez-Iñárritu e Arriaga (“21 Gramas”), “Babel” é um retrocesso. Talvez fosse mesmo a hora de eles repensarem a sua relação.

Cotação: 8,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies