Tuesday, January 30, 2007

A Essência da Paixão (The House of Mirth, 2000)


Numa tradução literal, “house of mirth” significa a casa do riso, da alegria. Depois que temos a oportunidade de assistir ao filme “A Essência da Paixão”, o por quê do uso do nome fica sem explicação – uma vez que todos os personagens da película são frios, racionais, raramente se deixam levar pela emoção e, quando riem, é porque estão caçoando de alguém.

“A Essência da Paixão”, filme dirigido e roteirizado por Terence Davies (tendo como base um livro de Edith Wharton, uma autora adaptada para o cinema no filme “A Época da Inocência”, de Martin Scorsese) acompanha dois anos da vida de Lily Bart (Gillian Anderson), uma dama da sociedade nova-iorquina que vive com a tia (Eleanor Bron) e a prima (Jodhi May) numa confortável casa. Lily é uma pessoa cheia de bons contatos, conhece muitas pessoas e, por isso, é um alvo certo das conversas e dos olhares de ambos os sexos.

Para a maioria das mulheres da sociedade, Lily está ficando velha e precisa arrumar um marido. Ela também tem consciência disso e se preocupa demais com seu futuro. O problema é a maneira como se dá o seu relacionamento com os homens. Lily não só tem a capacidade de se adequar àquilo que é esperado dela, como também consegue manter o seu verdadeiro eu exclusivamente para poucas pessoas – como à amiga Bertha Dorset (Laura Linney) e seu marido George (Terry Kinney), o Sr. Rosedale (Anthony LaPaglia), o casal Gus (Dan Aykroyd) e Judy Trenor (Penny Downie) e àquele que podemos considerar como o grande amor de sua vida Lawrence Selden (Eric Stoltz).

Quando os seus modos passam a ser questionados e o seu nome manchado injustamente, Lily entra numa descendente que parece não ter fim. Ela se descuida do dinheiro, acumula dívidas e é humilhada de todas as maneiras possíveis. Os amigos a abandonam e dos poucos que ficam ao seu lado, Lily não aceita ajuda. Ou seja, ela podia estar acabada, mas seu orgulho não estava ferido.

No final, “A Essência da Paixão” é um filme sobre oportunidades perdidas. Lily Bart aprende, da pior maneira, que não existem segundas chances para consertar aquilo que ficou de errado. Ela perdeu as oportunidades que teve para ser feliz. E, mesmo quando tinha as armas para reverter a sua situação, Lily não as utilizou por amor – um sentimento que lhe foi negado a partir do momento em que ela foi colocada na margem da sociedade.

“A Essência da Paixão” é um deleite para os olhos – e para os ouvidos. O trabalho de reconstrução de época, de construção de cenários e figurinos é impressionante. A trilha sonora – que reúne várias músicas clássicas famosas – é de chamar a atenção. No entanto, o que mais surpreende é a interpretação de Gillian Anderson. No seu primeiro papel importante depois de Dana Scully, a popular personagem do seriado “Arquivo X”, ela passa da frieza ao carisma, calculismo e inteligência de Lily com extrema facilidade. Quando a personagem atinge seu ponto mais baixo é incrível ver o mergulho de Gillian nesse mar de orgulho, tristeza e resignação que invadem a sua personagem.

Inexplicável é tentar entender como este filme passou despercebido por tanta gente. “A Essência da Paixão” é um dos melhores filmes sobre o estilo de vida das sociedades antigas (e suas festas e jogos de flertes e de aparências) e sobre como o necessário relacionamento entre homens e mulheres pode consumir tanto um ser a ponto de defini-lo para a vida toda.

Cotação: 9,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Saturday, January 27, 2007

Aos Olhos de Deus (Their Eyes Were Watching God, 2004)


Num artigo publicado recentemente em seu blog, o jornalista e crítico de cinema Ricardo Calil discursa sobre a lenta agonia do telefilme. De acordo com o texto dele, os telefilmes – que alcançaram o ápice nos anos 80 – são um formato que está em crise. Calil cita uma matéria do jornal “Hollywood Reporter”, que fala que, em 2006, a ABC, a CBS e a NBC (redes de televisão dos EUA) não produziram nenhum telefilme; o mesmo foi o caso do Showtime (canal de TV a cabo norte-americano, famoso por suas produções mais familiares). Já a HBO, que muitos consideram a atual grande produtora de telefilmes, não chegou nem a produzir cinco telefilmes em 2006.

Tal artigo causou muita surpresa em pessoas como eu, afinal os telefilmes têm atraído cada vez mais nomes famosos do cinema, como os dos diretores Mike Nichols e Stephen Frears e de estrelas como Richard Dreyfuss, James Cromwell, Don Cheadle, George Clooney, Harvey Keitel, Annette Bening, Hilary Swank, Ed Harris, Paul Newman, Kenneth Branagh, Anjelica Huston, Emma Thompson, Ben Kingsley, Ellen Burstyn, Helen Mirren, dentre outros.

“Aos Olhos de Deus”, telefilme produzido pela HBO e dirigido por Darnell Martin, também tem grandes nomes na frente e por trás das câmeras. A apresentadora Oprah Winfrey é a produtora executiva do projeto. Os atores Halle Berry e Terrence Howard encabeçam o elenco formado somente por atores de origem afro-americana. Essa não é a primeira experiência deles no gênero: Winfrey também produziu outro grande sucesso da HBO, “Se as Mulheres Tivessem Asas”; Berry, antes do Oscar, conquistou prêmios e elogios da crítica por sua performance em “Dorothy Dandridge – O Brilho de uma Estrela”; e Howard esteve no aclamado “Lackawanna Blues”.

No telefilme, Halle Berry interpreta Janie, uma mulher que acha que sabe tudo sobre a vida e o amor – quando, na verdade, ela ainda tem muito a aprender sobre os dois temas. “Aos Olhos de Deus” retoma a vida de Janie quando ela retorna à cidade de Eatonville (a primeira localidade totalmente negra dos EUA) e sofre com os julgamentos de cada habitante do local. Por meio de flashbacks, seremos testemunhas do crescimento de Janie, na medida em que ela se envolve com três homens diferentes: o primeiro marido, um homem idoso; o segundo, Joe Starks (Ruben Santiago-Hudson), um homem de visão e que transforma Eatonville numa cidade próspera e cheia de oportunidades; e o terceiro, o jovem impetuoso Tea Cake (Michael Ealy), que todos julgam estar interessado no dinheiro que Janie herdou de Starks. Terrence Howard interpreta Amos Hicks, o homem que vai ter sempre o potencial de ser o próximo marido de Janie, se não fosse por um único problema: ela nunca se interessou por ele de maneira amorosa.

“Aos Olhos de Deus” é um daqueles telefilmes que não se destacam por ter uma grande direção ou um excelente trabalho de atuação. O que é importante aqui é ver a maneira pela qual os roteiristas Suzan-Lori Parks, Misan Sagay e Bobby Smith Jr. construíram a personagem Janie. Ela pode ter sido uma mulher voluntariosa, decidida e cujo maior problema foram sempre os homens. Se alguém indicava que o melhor caminho era este, Janie preferia seguir aquele. Janie amou, foi feliz e também foi machucada. Mesmo assim, ela tem a capacidade de, após atingir o ponto mais baixo, conseguir recomeçar a sua vida.

Assim como os outros personagens do filme, que não hesitarão em julgar Janie, ou em dizer aquela batida frase “bem que a gente tentou avisar”, também nos sentiremos tentados em não sentir pena de Janie. Ao escutar a versão dela para os fatos de sua vida, a frase que vem à tona é outra: “não julgue antes de conhecer aquilo que verdadeiramente aconteceu”. Seria interessante que os telefilmes também não fossem julgados como dispensáveis logo de cara. A produção de filmes na TV, geralmente, é bem mais aberta a idéias que os estúdios de cinema recusam sem piedade. Além disso, muitas das últimas “produções feitas especialmente para a TV” são bem melhores do que muitos dos filmes que a gente costuma assistir na grande tela. Vamos torcer para o telefilme seguir o exemplo de Janie e sobreviver a mais um daqueles percalços que parecem ser insustentáveis.

Cotação: 6,3

Crédito Foto: Amazon.com

Tuesday, January 23, 2007

O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006)


Em 1970, o Brasil estava quase no final de um período que ficou marcado na sua história e que ganhou o nome de Milagre Econômico. No entanto, o otimismo em relação ao progresso estava somente restrito ao plano econômico, tendo em vista que o país ainda vivia em meio à repressão e à censura do regime da Ditadura Militar. É neste contexto histórico que se desenrola a trama do filme “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, do diretor Cao Hamburger.

Mauro (o estreante Michel Joelsas), que vivia com sua família em Belo Horizonte, provavelmente estava por fora de tudo isto que estava acontecendo. Para ele, o fato mais importante do ano era a realização da Copa do Mundo de 1970, no México. O garoto recebe até com muita resignação e sem fazer muitos questionamentos a notícia de que seus pais vão tirar umas “férias prolongadas” (eles eram militantes contra a ditadura e precisavam sumir por um tempo) e que ele vai ficar em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, na companhia do avô paterno (uma participação especial de Paulo Autran).

O mundo que Mauro encontra no bairro do Bom Retiro é completamente diferente daquele que ele conhecia. O bairro, que é habitado por famílias de origens judaica e italiana, tem muita gente idosa, alguns jovens e poucas crianças. Mauro vai experimentar ali muita solidão, a qual será agravada quando o seu avô falecer e quando ele não conseguir se adaptar muito bem à pessoa de Shlomo (o excelente Germano Haiut), que acolhe o menino em sua casa e inicia uma busca pelos pais dele.

O que é mais interessante no filme de Cao Hamburger é acompanhar a transformação, o amadurecimento de Mauro. Aos poucos, ele deixa de ser o menino inseguro que passava os dias ao lado do telefone esperando a ligação dos pais e começa a aproveitar a vida, a brincar, se encontrar e descobrir quem ele é e o que ele pretende fazer. Tudo isso, tendo como pano de fundo a Copa de 1970 e o brilhantismo daquele time, que parava o país e unia todos – não importando raça, sexo, classe e crenças – numa só voz.

Quando a gente fala sobre o cinema brasileiro, uma reclamação parece constante: os roteiros da maioria dos filmes são pobres e chegam – em alguns casos – a fazer sentido só para nós brasileiros. Poucos filmes produzidos no país têm uma mensagem universal, que pode chegar a qualquer lugar do mundo e encontrar uma identidade. “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” é um desses filmes de valor universal. A sua simplicidade é somente um dos elementos que o transforma numa experiência única, mas o seu maior ponto forte é a capacidade de contar uma história que tem ressonância em qualquer pessoa, em qualquer lugar. Filmes como esse deveriam ser regra em nossa indústria, e não exceção.

Cotação: 9,0

Crédito Foto: Yahoo! Cinema

Saturday, January 20, 2007

Déjà Vu (Deja Vu, 2006)


Tadinha da cidade de Nova Orleans. Depois de sofrer, em 2005, com o acidente da natureza que foi o furacão Katrina, que matou 1833 pessoas; o diretor Tony Scott, o produtor Jerry Bruckheimer e os roteiristas Bill Marsilii e Terry Rossio colocam a cidade novamente sob provação no filme “Déjà Vu”. Em meio ao Mardi Gras (o popular carnaval da cidade), um barco cheio de soldados da Marinha e suas famílias é explodido, resultando na morte de 534 pessoas. Uma outra tragédia – dessa vez causada pelas mãos humanas.

É este crime que o agente da ATF (delegacia especializada em assuntos de álcool, tabaco e armas de fogo) Doug Carlin (Denzel Washington) irá investigar. Doug é um homem que trabalha em silêncio, é muito observador e está sempre muito atento à cena do crime e às figuras que nela estão – ou estavam. Podemos dizer que o modo dele trabalhar contrasta muito com o da equipe do FBI – liderada pelo agente Andrew Pryzwarra (Val Kilmer) – com a qual ele irá colaborar.

A equipe de Andrew Pryzwarra (formada pelos atores Adam Goldberg, Elden Henson e Erika Alexander) acrescenta à investigação da explosão um recurso extremamente moderno: um programa de computador que permite voltar no tempo e reproduzir exatamente os atos, gestos e falas do acontecimento em questão. Para não ficarem procurando uma agulha no palheiro, Doug Carlin sugere que eles se fixem na rotina de Claire Kuchever (Paula Patton, que guarda uma semelhança física muito grande com a atriz Halle Berry), moça que – aparentemente – foi mais uma das vítimas da explosão do barco, mas que, para Carlin, é a chave para a solução do crime.

Na medida em que a equipe de Andrew Pryzwarra invade a rotina de Claire, mais Doug Carlin fica envolvido emocionalmente com a garota. Quando a solução do crime chega e eles descobrem o responsável pela explosão – Carroll Oerstadt (James Caviezel) – Carlin toma uma decisão drástica: usar o programa do FBI para voltar no tempo e tentar impedir que o pior – a explosão do barco e a morte de Claire – aconteça.

O diretor Tony Scott vem de dois filmes (“Chamas da Vingança” e “Domino – A Caçadora de Recompensas”) que são muito bons esteticamente e que possuem histórias que são bem contadas. Em “Déjà Vu”, Scott mantém a mesma estética crua que é uma influência direta dos filmes de Michael Mann e do “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles e, de início conta uma história que, apesar de confusa em certos momentos (não acredito que ninguém sairá do cinema sabendo ao certo como o programa do FBI realmente funciona), prende a atenção da platéia. No entanto, uma única cena coloca todo o trabalho do diretor por água abaixo. Se está bem claro que o passado não pode ser modificado, em que realidade Doug Carlin se encontra no final? Estaria ele num simulacro, numa realidade virtual ou no mundo que ele deixou? Com a palavra, Tony Scott e seus roteiristas Bill Marsilii e Terry Rossio.

Cotação: 6,9

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Wednesday, January 17, 2007

Uma Noite no Museu (Night at the Museum, 2006)


Numa época em que a informação está a um clique de distância, não chega a ser surpreendente saber que os museus estão passando por uma crise de público. Afinal, quem quer ir ao museu mais próximo se pode dar uma volta virtual pelo museu do Louvre, em Paris? “Uma Noite no Museu”, filme do diretor Shawn Levy (mais conhecido pelo trabalho em comédias como “Recém-Casados”, “Doze é Demais” e a refilmagem de “A Pantera Cor de Rosa”), quer provar justamente o contrário. Você deve ir fazer uma visita ao museu, pois esse é o lugar em que a história ganha vida.

Larry Daley (Ben Stiller) é um homem divorciado, pai de Nick (Jake Cherry). A vida dele é completamente instável. Ele não consegue se firmar num emprego ou se fixar em um endereço. Ao ver que seu filho começa a tomar como exemplo a figura de um outro homem – a do padrasto investidor da Bolsa de Valores (Paul Rudd) –, Larry finalmente percebe que precisa dar um jeito em sua vida.

Portanto, Larry vai a uma agência de empregos e, depois de escutar algumas negativas, é enviado ao Museu de História Natural da cidade de Nova York, pois talvez lá exista alguma vaga para ele. Após passar pelo crivo dos guardas-noturnos que ele irá substituir (a trinca de atores formada por Dick Van Dyke, Mickey Rooney e Bill Cobbs), Larry inicia o seu trabalho.

O que parecia ser algo absolutamente normal ganha contornos extraordinários quando Larry percebe que, durante o turno da noite, as criaturas de cera que habitam o museu (como o ex-presidente Teddy Roosevelt; os exploradores Lewis e Clark e Cristóvão Colombo; Átila, o Huno; os romanos; os índios e os cowboys; os combatentes da Guerra Civil Americana; dentre muitos outros) ganham vida – transformando o que era calmo em caos absoluto.

A interação que existe entre Larry e as criaturas do museu – que deveria ser o ponto alto de “Uma Noite no Museu” – só funciona quando Robin Williams (que interpreta o ex-presidente Teddy Roosevelt) está na tela. Esse intercâmbio entre passado e futuro também chama a atenção para o ótimo trabalho de direção de arte, de figurinos e de caracterização de personagens que o filme possui. No resto do tempo, “Uma Noite no Museu” abre espaço demais para o humor do irritante Owen Wilson (que interpreta Jedediah, um cowboy) e coloca em segundo plano atores que poderiam contribuir mais com o filme, como a ótima (quando ela irá receber um papel digno de seu talento no cinema?) Carla Gugino e o comediante inglês Ricky Gervais (criador das séries “The Office” e “Extras”).

Se formos abstrair a presença excessiva de Owen Wilson na tela, “Uma Noite no Museu” é até um filme que rende boas risadas. A trama desenvolvida pelos roteiristas Ben Garant e Thomas Lennon é bastante explicativa e vai agradar em cheio aos jovens que, certamente, irão lotar as salas de cinema para assistir ao filme. No entanto, o que de melhor “Uma Noite no Museu” possui é oferecer a oportunidade para que toda uma nova geração conheça os atores Dick Van Dyke, Mickey Rooney e Bill Cobbs. Ainda bem que eles não foram colocados como peças do museu. Mesmo assim, a eles só cabe o papel de ser o suporte para que Ben Stiller possa brilhar – e, neste filme pelo menos, ele está bem melhor do que nas suas últimas aparições na grande tela.

Cotação: 6,8

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Saturday, January 13, 2007

Filhos da Esperança (Children of Men, 2006)


A trajetória de “Filhos da Esperança”, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, nas salas de cinema é muito peculiar. O filme estreou – sem muito alarde – em alguns festivais de cinema, como o de Veneza, aonde foi recebido de modo um tanto frio pela crítica e pelo público. Alguns meses depois, quando o filme veio estrear de maneira definitiva, a situação tinha mudado completamente e não só “Filhos da Esperança” começava a receber um carinho especial da crítica (ganhando alguns prêmios), como também se transformava em um sucesso de público.

O filme se passa em Londres, no ano 2027. O mundo imaginado por Alfonso Cuarón e pelos co-roteiristas Timothy J. Sexton, David Arata, Mark Fergus e Hawk Ostby (com base no livro de P.D. James) é dominado pelo caos e pela completa falta de autoridade, aonde diversos grupos lutam pelo poder e a classe mais frágil é a dos imigrantes ilegais, que são enxotados diariamente para prisões que mais lembram os campos de concentração do regime nazista alemão.

Entretanto, a mudança mais visível que pode ser vista neste mundo futurista é que ele, além de ser um lugar sombrio, está privado do calor, da inocência e da alegria do riso e dos gritos das crianças. Explico: os seres humanos ficaram inférteis. A pessoa mais jovem do mundo, Diego Ricardo (Juan Gabriel Yacuzzi), foi assassinada aos 18 anos. É esse acontecimento que abre “Filhos da Esperança” e dá início a uma série de fatos que só reforçam a visão pessimista do diretor mexicano em relação ao futuro da humanidade.

Clive Owen interpreta Theo Faron, funcionário do Ministério da Energia. Theo já foi um revolucionário, mas perdeu a vontade de lutar após a morte do filho Dylan. A ex-mulher dele, Julian (Julianne Moore), é a líder dos Peixes, o maior grupo de resistência ao poder vigente. É Julian que coloca Theo em uma situação delicada ao pedir que ele consiga documentos para que a imigrante ilegal Kee (a ótima Claire-Hope Ashitey) possa sair da Inglaterra sem nenhum perigo. Como precisa do dinheiro que vai ganhar ao desempenhar essa tarefa, Theo consegue os documentos necessários, mas terá que obrigatoriamente acompanhar a jovem Kee durante a viagem. A missão de Theo se revela ainda mais importante quando ele descobre que Kee está grávida. Dessa forma, não só a fé de Theo – como a de todo o mundo, nem que seja por um mísero instante – será colocada em xeque novamente.

“Filhos da Esperança” consegue sobreviver a alguns furos deixados pela trama (é incrível como cinco roteiristas não conseguem deixar claro em nenhum momento o que é o projeto Humano, o qual move a trama do filme em quase sua totalidade). O filme é deveras pessimista, mas não deixa de ser atual. Apoiado por um belo trabalho do diretor de fotografia – e favorito ao Oscar 2007 – Emmanuel Lubezki, Cuarón mostra através da metáfora da falta da alegria infantil, o que nos espera se continuarmos nesse sentido de autodestruição. Assim como os acontecimentos do roteiro fazem com que a fé de Theo seja testada, o que Cuarón faz com “Filhos da Esperança” é testar a fé de sua platéia. Nos créditos finais, ele coloca somente gritos e choros de várias crianças. Um pouco de vida depois de vermos tanto caos. A pergunta que fica é se a nossa reação será a mesma dos soldados ao verem o choro do nenê de Kee? Depois do encanto, a nossa vida vai seguir? Ou será que podemos fazer algo além disso?

Cotação: 7,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies

Tuesday, January 09, 2007

Diamante de Sangue (Blood Diamond, 2006)


Numa das cenas mais clássicas da história do cinema, no filme “Os Homens Preferem as Loiras”, do diretor Howard Hawks, Marilyn Monroe entoa os seguintes versos: “um beijo na mão pode ser muito galanteador, mas os diamantes são os melhores amigos das mulheres”. Por muito tempo, essa visão luxuosa e de ostentação a respeito dos diamantes foi o que povoou o imaginário popular. A visão sobre essa pedra preciosa irá mudar quando, no filme “Diamante de Sangue”, do diretor Edward Zwick, formos apresentados ao conceito que dá nome ao filme. Os diamantes de sangue são aquelas pedras que, vendidas às empresas fabricantes de jóias, acabam financiando as guerras nos países africanos sobre as quais nos acostumamos a ver/ler nos noticiários.

Neste sentido, o roteiro do filme, escrito por Charles Leavitt e C. Gaby Mitchell, nos apresenta a três personagens que, apesar das origens diferentes, possuem algo em comum: todos eles farão o que for necessário para conseguir o que querem. Danny Archer (Leonardo diCaprio), um ex-soldado do exército sul-africano, converteu todos os seus conhecimentos sobre armas e táticas de guerrilha para os negócios e se transformou num contrabandista (especialmente de armas e de diamantes). Solomon Vandy (Djimon Hounsou), um pescador, pai de família, viu a aldeia em que vivia ser destruída e sua família ir parar num campo de refugiados; enquanto ele se tornou prisioneiro dos rebeldes e passou a trabalhar em uma mina. Maddy Bowen (Jennifer Connelly), jornalista norte-americana, foi para Serra Leoa atrás de informações para uma matéria que ela está fazendo sobre a relação das grandes indústrias de jóias com os diamantes de sangue.

O destino destes três personagens irá se cruzar quando Solomon encontra uma grande pedra de diamante rosa, a esconde dos rebeldes e vira o alvo deles. Depois de fugir e reencontrar a sua família, Solomon descobre que seu único filho, Dia (Kagiso Kuypers), foi recrutado pelos rebeldes. Dessa maneira, a pedra que ele escondeu se torna uma moeda de troca valiosa pela busca de informações a respeito de seu filho. Para Archer, que deve dinheiro a um parceiro de negócios, a pedra encontrada por Solomon representa não só a sua vida como a oportunidade de sair de vez – e rico – da África. Archer e Solomon, então, estabelecem uma parceria – que, logo, irá evoluir para uma amizade. Em troca de informações para a matéria que está escrevendo, Maddy concorda com as exigências de Archer e disfarça o contrabandista e o pescador como jornalistas para que eles possam transitar com certa facilidade pelo perigoso território de Serra Leoa.

Além da fotografia de Eduardo Serra, um dos elementos mais interessantes de “Diamante de Sangue” foi a maneira pela qual os roteiristas Charles Leavitt e C. Gaby Mitchell construíram os seus personagens. Solomon, Archer e Maddy têm uma essência muito bem definida, e não chegam a ser totalmente mocinhos ou bandidos. Os três são pessoas reais, movidas pelos seus interesses principais. E quando são colocados em situações que chegam perto do seu limite é que eles se permitem revelar as suas verdadeiras personalidades. Nesses momentos, “Diamante de Sangue” atinge o seu ápice.

Edward Zwick dirige seu filme com muita elegância e discrição. Mas, acaba escorregando no final um tanto demagógico. A intenção do diretor ao mostrar que as vozes dos excluídos merecem ser ouvidas, e não ignoradas é muito bonita – mas um tanto irreal. Todos nós sabemos que vivemos num mundo em que os que vivem à margem não têm voz. Isso só acontece quando os acontecimentos se tornam insustentáveis. É triste, mas é fato – e não é um filme que vai mudar isso. “Diamante de Sangue” já tem a sua própria importância ao nos fazer prestar atenção nos diamantes de sangue. Quem consome jóias deve ter consciência de que o produto que ele (a) está comprando não ajuda a financiar guerras que matam pessoas inocentes.

Cotação: 7,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies