Tuesday, February 07, 2006

O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)



Mais até do que Ennis Del Mar (Heath Ledger, indicado ao Oscar 2006 de Melhor Ator) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal, indicado ao Oscar 2006 de Melhor Ator Coadjuvante), o maior personagem de “O Segredo de Brokeback Mountain”, de Ang Lee (indicado ao Oscar 2006 de Melhor Diretor), é a própria montanha Brokeback. Nos primeiros 30 minutos do filme, ela reina absoluta servindo como pano de fundo para Ang Lee mostrar à platéia a sua história e a sua dupla de protagonistas. É na montanha Brokeback que nasce o amor entre Ennis e Jack – o primeiro, um bruto e rude trabalhador rural e o segundo, um cowboy sedutor e meio rebelde. Para Ennis e Jack, os dias que eles passaram na montanha são mais do que uma lembrança de um momento especial que eles viveram no verão de 1963, e sim os únicos momentos aonde eles puderam ser aquilo que eles realmente eram de verdade.

Depois destes primeiros momentos, “O Segredo de Brokeback Mountain” se divide em duas linhas de narração. A primeira – e principal –, segue Ennis, que volta para a cidade do Wyoming aonde mora para se casar com Alma (Michelle Williams, indicada ao Oscar 2006 de Melhor Atriz Coadjuvante), a namorada que havia deixado enquanto foi trabalhar na montanha Brokeback. A segunda, parte em busca de Jack, que segue uma trajetória errante de cowboy nos rodeios dos Estados Unidos, até que ele sossega ao lado de Lureen (Anne Hathaway), a filha de um comerciante de veículos agrícolas.

Ennis e Jack constroem a sua vida longe um do outro, mas a ligação que eles estabeleceram na montanha Brokeback será forte e eterna. Eles passam inicialmente quatro anos sem se ver, depois passam a se encontrar mensalmente; até chegar a um ponto em que os encontros entre os dois passam a ser cada vez mais freqüentes e suspeitos – Alma passa a desconfiar cada vez mais das saídas constantes de Ennis com o “parceiro de pescaria” (maneira pela qual ele se refere a Jack).

Em todo o decorrer de “O Segredo de Brokeback Mountain” – filme baseado no conto de Annie Proulx – fica muito claro a preocupação que os roteiristas Larry McMurtry e Diana Ossana tiveram em construir bem os seus personagens. Ennis, que foi criado em uma família rígida do interior dos Estados Unidos, aprendeu que ser homossexual é errado (em nenhum momento do filme, ele se assume como tal), e não consegue encontrar uma maneira de lutar contra os seus sentimentos. Jack, ao contrário, se sente confortável com a sua opção. Alma não sabe como lidar – ou não quer reconhecer – a verdadeira personalidade de Ennis. Já Lureen, mais imersa na sua própria vida, não consegue ver que a felicidade de Jack se encontra milhas longe dela.

Essa preocupação também está na mente dos atores de “O Segredo de Brokeback Mountain”. Heath Ledger brilha como Ennis, compondo o personagem de maneira introspectiva e que revela que ele carrega em si uma amargura pelas escolhas de vida que fez, uma confusão de pensamentos e um segredo muito grande. Jake Gyllenhaal, por outro lado, abraça todo o carisma e o caráter sedutor de Jack. Michelle Williams também retrata com competência o dilema vivido por Alma. Anne Hathaway se mantém discreta durante o filme, mas, com uma cena, retrata com perfeição o entendimento que Lureen finalmente parece ter da relação existente entre Ennis e Jack.

“O Segredo de Brokeback Mountain” – filme indicado a 8 Oscars 2006 – poderia ser um filme que cairia para um lado mais sensacionalista. Felizmente, isso não aconteceu. O filme é dirigido por Ang Lee com uma classe, sensibilidade e toques de razão que fazem com que a platéia se identifique com a história de amor entre Jack e Ennis. O filme exime a platéia de fazer qualquer tipo de julgamento e oferece ao público uma sensação de paz e tranqüilidade – intenção corroborada pela excelente trilha sonora de Gustavo Santaolalla, indicado ao Oscar 2006 de Trilha Sonora –, o que obviamente contrasta com o estado de inquietude e infelicidade constantes vividos por Jack e, principalmente, Ennis durante “O Segredo de Brokeback Mountain”.

Crédito Foto: Yahoo! Movies

11 comments:

Anonymous said...

Este filme é daqueles que quanto mais você analisa, reflete, mais riqueza consegue extrair dele, e consequentemente mais se gosta dele. Leia o conto e me diga o que vc achou da personagem Lureen nas linhas de Annie Proulx e na Lureen de Ang Lee e Anne Hathaway. Essa cena a qual vc mencionou pode ser interpretada de uma maneira diferente ao extremo no conto. (A cena em que ela realmente entende o que se passava). A Alma de Michelle Williams é impecável, e eu queimei a língua após falar mal do Heath Ledger nos últimso anos. Li alguns críticos compararem a força e o realismo-naturalismo de sua atuação às melhores performances de Brando, Dean e Penn. Exagero? Eu concordei:) Eu só espero que ele continue assim..
Adorei vc ter citado a montanha como mais um personagem, é isso mesmo. É como o morro dos ventos uivantes..o espaço no qual as personagens vivem é tão fundamental na história quanto qualquer um deles. Muito boa crítica!!

Kamila said...
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Kamila said...

Vou ler o conto e depois a gente vai discutindo as nossas opiniões e encontrando as respostas. De todos os personagens, eu acho que a Lureen foi a mais mal aproveitada - talvez isso aconteceu porque o Ang Lee (não sei se isso ocorre no conto) quis destacar mais a história do Ennis, que era bem mais interessante, por ele ser esse personagem tão introspectivo. Eu também queimei a língua com Heath Ledger. Acho que "Brokeback Mountain" marca o início do renascimento da carreira dele, que andava completamente apagada e resumida à filmes sem importância. Desejo mesmo que ele aproveite a rara segunda chance que está tendo. Só vou discordar de você em um ponto: acho que as comparações com Brando e Penn um exagero - o Heath ainda tem muito chão pela frente. No entanto, acho que a comparação com o Dean tem fundamento. O Dean e o Ledger de "Brokeback Mountain" têm o mesmo jeito de atuar: com uns trejeitos físicos marcantes e um modo todo particular de falar. Quando eu vejo o Heath Ledger como Ennis em "Brokeback Mountain" colocando as mãos no seu rosto e procurando não encarar um sofrimento que chega a ser maior do que ele mesmo, me lembro muito do James Dean.

Anonymous said...

Kamila, agora só me falta apreciar o filme. Ler seu texto apenas me instigou ainda mais!

Anonymous said...

No conto a Lureen não é "muito"importante, não, eu achei até que Ang Lee deu mais espaço a ela do que no conto, sério. Eu tenho que ler esse conto de novo.. E essa comparação não foi ao Heath Ledger ator e sua carreira comparada a Brando ou Dean, mas o Heath Ledger nesse momento, comparado ao Dean e ao Brando jovem de Uma Rua Chamada Pecado e tal..e ao Penn nas suas primeiras atuações..eu AMEI a atuação dele, mas o ano é do Philip Seymour Hoffman e ele tem um currículo de peso bem mais merecedor do Oscar, - e olha que nem vi o filme!

Kamila said...

É, Romeika. Realmente, o ano é do Philip Seymour Hoffman, um ator que, como você bem disse, tem um currículo de peso bem mais merecedor do Oscar.

Se o Heath mantiver este rumo que deu à sua carreira, certamente conseguirá outras indicações ao Oscar.

Anonymous said...

Olá! Conheci hj seu blog, como indicação da Romeika. Li alguns filmes nos quais estou interessado, mas confesso que, desta nova safra, só consegui assistir a Jhonny & June, que conta a vida do cantor e compositor norte-americano Jhonny Cash. Mas vou tentar assisitr os outros. Parabéns pela qualidade do blog! bjs

Museu do Cinema said...

Será que Lureen descobre o segredo do marido no telefonema? Acho que ela pensa mais sobre como o marido era mais intimo de um estranho para ela, do que com a própria esposa.

Kamila said...

Oi, museu do cinema, legal que você apareceu por aqui! Talvez Lureen não tenha descoberto o segredo do marido naquele telefonema. Mas, concordo com a sua visão: com certeza ela nota naquele telefonema, que Ennis conhecia melhor Jack do que ela própria, que era esposa dele.

Renato said...

Uau, a crítica está ótima. Estpu sem palavras, parabéns.

Pedro Henrique Gomes said...

Heath Ledger podia ter ganho o Oscar naquele ano.

Abraço!!!