“Tinham muitos planos, planos inconseqüentes, amontoados diante deles num futuro enevoado, tão luxuriantes e emaranhados quanto a flora da costa de Dorset no verão, e igualmente belos. Onde e como iriam viver, quem seriam seus amigos mais próximos, o emprego dele na firma do pai dela, a carreira musical que ela teria pela frente, o que fazer com o dinheiro que o pai deles lhe dera, e como não seriam iguais às outras pessoas, pelo menos interiormente. Este ainda era o tempo – que terminaria naquela década célebre – em que ser jovem era um estorvo social, um sinal de irrelevância, uma condição ligeiramente embaraçosa para a qual o casamento era o começo da cura. Quase estranhos, mantinham-se retraidamente juntos, num novo pináculo da existência, jubilosos com a promessa do novo estado civil a alçá-los para fora da juventude infinita – Edward e Florence, enfim livres!” (p. 09)
A Era Vitoriana foi considerada como o grande auge do Império Britânico. Nessa época, além da revolução industrial inglesa ter atingido seu melhor momento, tivemos o surgimento de escritores notáveis, como George Eliot, Charles Dickens, Emily Bronte, Lewis Carroll, entre outros. Mesmo com tanta efervescência cultural, a época foi marcada por uma enorme repressão moral, em que pouco se conversava sobre temas polêmicos, como sexo.É na transição da era vitoriana para um período em que se houve uma verdadeira revolução sexual e de costumes, na Inglaterra, que se passa o romance “Na Praia”, do escritor Ian McEwan. Os personagens principais da obra – os jovens Edward Mayhew e Florence Ponting – acabam de se casar e se instalam num quarto de hotel na praia de Chesil, junto ao Canal da Mancha, para celebrar a sua noite de núpcias. Um detalhe importante a ser observado é que, desde o primeiro momento em que encontramos os dois, sabemos que o amor entre eles é verdadeiro e abundante.
Se existe algo que falta para Edward e Florence é intimidade. Filhos da era vitoriana, nascidos em famílias de costumes tradicionais, os dois nunca ultrapassaram os beijos em seus momentos a sós. Mais por decisão dela, casaram-se virgens e aguardam o instante em Chesil para atingirem a cumplicidade máxima como casal. No entanto, é justamente a falta de uma familiaridade maior entre os dois que nos dá uma pista de que a lua-de-mel entre o casal – e o casamento, por conseqüência – podem se transformar em uma situação desconfortável se eles não começarem a ser honestos um com o outro.
À primeira vista, “Na Praia” pode parecer um romance muito simples se comparado à profundidade de outras obras de Ian McEwan, como “Reparação”. No entanto, o livro é tão complexo quanto o trabalho mais famoso do escritor. A maneira como McEwan desenha a alternância de pensamentos entre Edward e Florence é sensacional. Os dois personagens foram muito bem construídos em suas respectivas histórias de vida e de aspirações; e o mais interessante para nós, como leitores, é ver como eles são atrapalhados em sua falta de maturidade para começar uma nova etapa de vida. Casamento não é uma coisa fácil e se apóia em coisas simples, como amor, carinho, amizade, respeito e, principalmente, diálogo. São elementos como esses que adquirimos na leitura de “Na Praia”, a qual é uma daquelas obras em que a arte se inspira na vida.
Na Praia (2007)
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras
18 comments:
Vc sabe que não gosto do McEwan.
Agora que casamento não é nada fácil, posso afirmar com todas as letras Kamila.
Cassiano, não sabia que você não gostava do McEwan. Este é o segundo livro dele que leio e estou impressionada com a escrita dele. Virei fã!
Não sou casada, mas imagino o quanto isto deve ser difícil. Exige muita dedicação, concessão...
Fiquei muito curioso após esse texto, parece ser outro romance imperdível. Só uma pergunta: você acha que tem potencial para ser adaptado para o cinema? - ainda mais após o sucesso de "Atonement". Bom domingo!
Adoro Literatura inglesa! Vou adicionar esse titulo na minha lista de intenções!
Vinícius, "Na Praia" é um livro bem curto. Acho que pode, sim, dar uma ótima adaptação cinematográfica. Imagino até quem seriam os atores no papel principal: Romola Garai e Ben Whishaw. Acho que eles seriam PERFEITOS na pele de Florence e Edward.
Marfil, também sou fã de Literatura Inglesa. Após ler esse "A Sombra do Vento" devo mergulhar na obra de Jane Austen.
Bom domingo!
Kamila, sua resenha me deixou com muita vontade de ler esse livro, afinal, gostaria de conhecer mais da obra do escritor do maravilhoso "Reparacao".
Concordo demais com as palavras sobre casamento...Imagino que o escritor deva ter adotado um tom realista, o que sempre me agrada.
Kamila, pra vc, que "ADORA" Titanic:
http://www.youtube.com/watch?v=Dqg8APoyUjg&eurl
:-)
Romeika, o tom é bem realista, sim. E totalmente de acordo com a época em que o livro se passa. Se você gostou de "Reparação", recomendo totalmente a leitura de "Na Praia".
O vídeo de "Titanic" está carregando aqui!
Gostei da resenha desse livro, parece ser bom.
Não li Reparação, mas o filme eu gostei bastante.
E a história desse livro, Na Praia, parece ser interessante também e poderia ter uma boa adaptação para o cinema.
Fiquei interessadíssimo!
Vou providenciar a leitura...
Ótima dica!
beijo
Tenho o livro, mas assim como "Reparação", ainda não comecei a ler.
Bom saber que é interessante.
Abraço!!
Gostei daqui!!!
Puxa, Kamila, já escolheu até os protagonistas! ;-) Como não li a obra não tenho certeza sobre a escolha, mas adoro os dois atores - Romola foi minha coadjuvante favorita em "Atonement", enquanto Whishaw me surpreendeu positivamente com seus últimos trabalhos. Abraço!
Ah, adorei a versão do "Titanic" que a Romeika postou ;-)
Ibertson, eu acho que "Na Praia" daria uma ótima adaptação, seja para o teatro ou para o cinema.
William, que bom que ficou interessado. O livro é muito bom.
Pedro, o que está esperando para ler "Na Praia" e "Reparação"???
Cecilia, obrigada pela visita e pelo comentário.
Vinícius, também adorei a versão de "Titanic" que Romeika postou. Me acabei de rir com o musical! A Romola também foi minha coadjuvante favorita em "Reparação". O Whishaw me deixou uma boa impressão em "Perfume", mas não gostei muito dele em "Não Estou Lá".
Acabei de sair de uma leitura(A Coisa,900 páginas.) que me tirou meses. Estou lendo um mais curtinho agora. Mas o próximo é "A Praia"...
Abraço!!
Pedro, "Na Praia" também é um romance curtíssimo. Vai dar para ler em menos de um mês.
Oi Kamila!
(com possíveis SPOILERS para quem não leu o livro)
Eu também acabei de ler Na Praia e adorei! Muito bem escrito, leitura rápida e emocionante.
Mas discordo de vc num ponto: não tem nada de era vitoriana na história. Eles se casam em 1962 e são da geração pós-guerra, que foi uma época também de transição que tinham os conservadores e moderninhos na swinging London da época. O simples fato deles serem ingleses já é o suficiente para falta de intimidade entre eles (afinal os ingleses não falam de intimidade até hoje). Mas o curioso é que eles estão a poucos anos da revolução sexual e se esperassem mais algum tempo a coisa seria bem diferente (como aponta Edward no fim do livro).
Kaká, eu não disse que o livro se passa na Era Vitoriana, e sim no momento de transição para uma era mais moderna e marcada pela revolução sexual. Eles, como filhos de pais criados na Era Vitoriana, eram travados. Por isso, minha analogia, entendeu??
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