Saturday, February 03, 2007

Babel (2006)


No brilhante início de “O Senhor das Armas”, filme do diretor e roteirista Andrew Niccol, o personagem de Nicolas Cage, um traficante de armas chamado Yuri Orlov, faz uma afirmação que cai como uma luva para o que assistiremos em “Babel”, última (literalmente) parceria da dupla mexicana formada pelo diretor Alejandro Gonzalez-Iñárritu e pelo roteirista Guillermo Arriaga: é impossível controlar o que acontecerá com as armas e as munições a partir do momento em que elas deixam as fábricas ou os pontos de venda.

Em “Babel”, o caminho que uma arma percorre é bem menos tortuoso do que o delineado pelo início do filme “O Senhor das Armas”. Um japonês (Kôji Yakusho), fanático por caças, vai ao Marrocos e deixa de presente a sua espingarda para o homem que lhe serviu de guia naquele período. Esse homem, por sua vez, vende a arma para um vizinho, que deixa o seu “brinquedo” nas mãos dos dois filhos, que usarão o rifle para espantar os lobos que teimam em se alimentar das parcas posses que a família deles possui. No entanto, numa brincadeira infantil e inconseqüente, os dois irmãos acabam atirando em um ônibus cheio de turistas e atingem a norte-americana Susan (Cate Blanchett), que viajava em companhia do marido Richard (Brad Pitt). Um acontecimento que, nas mentes de Alejandro Gonzalez-Iñárritu e de Guillermo Arriaga, tem efeitos nas vidas de diversas pessoas, espalhadas em diversas partes do mundo.

Além do casal Susan e Richard (Brad Pitt) e da família marroquina, que iniciam esse efeito “bola de neve” visto no roteiro de “Babel”, as vidas dos seguintes personagens são afetadas pelo simples tiro dado pelos meninos marroquinos: Chieko (Rinko Kikuchi), uma jovem japonesa surda-muda; e Amelia (a fantástica Adriana Barraza), uma babá mexicana que cuida de Mike (Nathan Gamble) e Debbie (Elle Fanning, a irmã de Dakota), os filhos de Susan e Richard. Para contar as histórias destes personagens, Iñárritu utiliza um recurso que já é conhecido daqueles que são familiarizados com seus dois filmes anteriores, “Amores Brutos” e o excepcional “21 Gramas”, e mistura as diversas linhas narrativas em uma ordem que não segue a cronologia ou a importância que cada um desses seres possuem para a história que ele quer contar.

Alguns elementos chamam a nossa atenção no desenrolar da trama de “Babel”. O primeiro deles é a riqueza das histórias criadas por Alejandro Gonzalez-Iñárritu e por Guillermo Arriaga. A seu modo, cada uma delas dariam 3 ou 4 ótimos filmes. Porém, ao final de “Babel”, não dá para conter a impressão de que, para justificar o seu propósito inicial, algumas histórias (como a do casal Susan e Richard) sejam sacrificadas e, por isso, não são desenvolvidas de maneira adequada.

O segundo deles é o tema comum da falta de comunicação. Independente do acontecimento do tiro em Marrocos, todos os personagens presentes em “Babel” tomam decisões equivocadas pela simples falta de uma conversa com alguém. O roteiro deixa implícito que o casal Susan e Richard está em crise e que a viagem ao Marrocos seria uma última tentativa de salvar a relação. Que me desculpem os marroquinos, mas quem quer ter uma segunda lua-de-mel vai para Paris, Cancun ou uma ilha no estilo de Fernando de Noronha.

Amelia, uma imigrante ilegal, comete o erro de passar pela vigiadíssima fronteira Estados Unidos-México com duas crianças norte-americanas (será que Susan e Richard não deixaram nenhum contato familiar com a babá? Que qualidade de pais eles são se não fizeram isso?) e ainda pega uma carona com o sobrinho (Gael Garcia Bernal) visivelmente alcoolizado. Já Chieko está naquela fase da adolescência em que vê todas as amigas descolando namorados, enquanto ela permanece sozinha. Será que ela tem algo de errado? Ela é feia? Seu corpo não é atraente? Na falta da mãe (que se suicidou), Chieko precisa de uma referência e o pai (que, talvez, está muito absorto em seus próprios problemas) é muito egoísta para perceber isso.

Se a gente for tentar esquecer essas “liberdades” criativas, “Babel” é um bom filme. É uma prova de que Alejandro Gonzalez-Iñárritu é um dos cineastas mais competentes que temos na atualidade. Seu brilhantismo está presente em cenas como as que mostram Amelia e as duas crianças em pleno deserto e nas cenas em Tóquio, que são lindamente filmadas (a tomada final de “Babel” com Chieko e seu pai é digna do posto de uma das cenas mais tocantes de filmes lançados em 2006). No entanto, se comparado ao filme anterior da dupla Gonzalez-Iñárritu e Arriaga (“21 Gramas”), “Babel” é um retrocesso. Talvez fosse mesmo a hora de eles repensarem a sua relação.

Cotação: 8,5

Crédito Foto: Yahoo! Movies

23 comments:

Anonymous said...

Kamila, voce usou a palavra correta ("retrocesso") para definir "Babel". Ainda assim, eh um filme bom, que merece ser visto, mas nao eh tudo isso e nao mereceu a indicacao ao Oscar de melhor filme (bom, isso na minha opiniao...) Hoje vi "Bobby", e talvez por nao esperar nada do filme, me senti supersatisfeita ao deixar a sala de cinema. Cada vez mais a minha lista de cinco melhores do ano de 2006 vai se afastando da escolhida pela academia.... Se o mundo fosse perfeito, filmes como "O Labirinto do Fauno", "Filhos da Esperanca", "Bobby" e "O Plano Perfeito" entrariam na categoria mais disputada esse ano. Porque daquela lista, eu soh vou mesmo com a cara de "Os Infiltrados" e "Pequena Miss Sunshine". E como sou admiradora do Eastwood, tenho fe em "Cartas de Iwo Jima". Agora estou ansiosa pelo meu filme mais esperado do ano passado: "Little Children". Mas aqui vou ter que esperar ateh o dia 16/02 (mais perto do que longe!)

E voce jah melhorou por completo??? beijos!

Wanderley Teixeira said...

Babel é mesmo um puta filme.Quanto a viagem ao Marrocos para dar uma reavivada na relação,não vejo problema algum Kamila...kkkkkkkkkkkkkk
A cena final com a personagem de Rinko Kikuchi e seu pai é formidável.A separação de Arriaga e Inarritu vai ser de fato lamentável para o cinema

Kamila said...

Romeika, assisti quatro dos filmes indicados e posso dizer que "Babel" é o mais fraco dos quatro. Como você disse, é um bom filme e merece ser visto. Qualquer coisa, além disso, é exagero, na minha opinião.

"Babel" tem potencial para ser o meu filme menos favorito dos indicados desse ano, pois, assim como você, tenho fé no Eastwood e no seu "Cartas de Iwo Jima".

Estou quase 100%. Falta ainda um pouquinho para melhorar. Daqui para sexta-feira, acho que estou de volta ao mundo. Não aguento mais ficar dentro de casa.

Kamila said...

Wanderley, se eu estivesse em crise no casamento e meu marido me levasse para umas férias no Marrocos, eu me divorciava na volta. rsrsrsrsrsrs

Tô brincando! :-)

Museu do Cinema said...

Viva Babel Kamila, apesar de vc entregar um pouquinho o filme no seu texto, gostei, só discordo do ínicio, pq acho q Babel vai além da discussão da arma.

Anonymous said...

Ola Kamila. Gostei da sua resenha da critica. Vc consegue mostrar seus dois pontos de vista sobre o filme. Concordo sobre a cena final da CHieko com o Pai e a linda cena do deserto, como vc disse, com a Fantástica Adriana Barraza. Personagem lindíssimo. Achei brilhante o fato das historias serem ligadas, sem nem mesmo dividirem o mesmo espaço na tela. A falta de conversa nos dias de hoje, realmente nos leva a tomar decisoes erradas, que a principio parecem tão simples, e futuramente geram bastante conturbação. Parabens pela critica..

Ahh, tem um post exclusivo lah no blog, da uma olhada.
Abraço!!!

Anonymous said...

Kamila, mais uma vez um ótimo texto. Parabéns (muito bom a associação com O Senhor das Armas no início). E eu concordo mesmo com você, algumas histórias em Babel pareceram sacrificadas enquanto outras foram muito bem desenvolvidas, especialmente a de Chieko (daria um belo filme "só com ela") e a da empregada mexicana. Mas o resultado final ficou o.k. ao meu ver.

Beijo!

Kamila said...

Cassiano, acho que, nessa altura do campeonato, todo mundo deve ter assistido "Babel", então entregar um pouquinho a história do filme não é um problema.

Leonardo e Túlio, obrigada pelo comentário!

Beijo.

Museu do Cinema said...

É verdade Kamila...rs

Otavio Almeida said...

Sempre escuto as pessoas que gostam de BABEL dizer algo como: "Não é tudo isso... o filme exagera aqui e ali... não é filme pra Oscar... aquela história não tem tanta ligação com a outra... mas os atores são bons, a música... o filme é muito bom."

Não consigo entender mesmo... mas beleza. Vida que segue! Saudades de quando os filmes favoritos do Oscar eram aquelas produções grandiosas... ai de mim, pq começo a acreditar numa vitória de BABEL!

Felizmente surgem filmes como A CONQUISTA DA HONRA e A RAINHA, que me devolvem ao cinema que eu gosto!

E o Cassiano escreve lá no blog dele sobre o Kubrick... vem toda essa nostalgia na cabeça e no coração pra, de repente, voltar à realidade com BABEL como sinônimo, referência de arte!
Pobre do cinema!

Mas Kamila, concordo com vc sobre 21 GRAMAS e o "retrocesso". Mais uma vez, um belíssimo texto! Vc é muito boa!!

Bjs, e bom final de semana!

Kamila said...

Otávio, obrigada pelo comentário.

Seu desabafo é totalmente compreensível. Mas, não desista de acreditar no bom cinema. Como você mesmo disse, "A Rainha", "A Conquista da Honra" e "Cartas de Iwo Jima" estão chegando. Esses filmes nos devolvem a fé no verdadeiro cinema.

Posso dizer sem medo que "Babel" foi uma decepção para mim. Antes eu já não queria que esse filme ganhasse o Oscar. Depois de assistí-lo, minha vontade é ainda maior.

Quero acreditar na vitória de "Pequena Miss Sunshine".

Beijo.

Museu do Cinema said...

Obrigado pela parte que me toca Otávio, tb me sinto como vc, estou jogando todas as minhas fichas esse ano no gênio Clint Eastwood. Sou fã desse cara.

Vc foi poético amigo.

Kamila, já te mando o seu texto.

bjs

Anonymous said...

Nao consigo ver nada de especial em "A Rainha", Kamila. Mas sobre isso eu ja discuti com vc... Ainda estou p*** da vida de nao poder assistir "Cartas de Iwo Jima" no cinema. Acho que vou pedir pra o meu irmao baixar e mandar o dvd pra mim pelo correio... rsrsrs...

P.S.:Que bom que vc melhorou, ficar de molho assim eh mesmo uma barra.

******************************
Otavio, eu fui no seu blog, vc deu uma estrela para "Babel"?:-O Talvez eu me enquadre nessa sua descricao..rsrsrs..Acho que o filme tem grandes atuacoes, que eh um filme bom, etc, etc..mas que nao vinga...Mas nao merece nem a indicacao ao Oscar. Vou odiar se "Babel" ganhar o Oscar. Ou talvez eu nem ligue.

Anonymous said...

Uma das funções do cinema é instigar o debate sobre questões contemporâneas ou não.
Babel a mim retratou como nenhum outro (aceito sugestões) o mundo que temos e que vamos destruindo alegremente, tanto do ponto de vista do meio ambiente como do ponto de vista das relações humanas. Paradoxalmente, vivemos a consagração do acesso total às várias formas de comunicação, mas não conseguimos nos comunicar ao ponto de evitar catástrofes associadas ao segregacionismo, à discriminação religiosa, à hegemonia de um povo que se entende superior em tudo, como tão bem está demonstrado no filme. Dentro destes parâmetros, entendo que seja um filme histórico. Que cumpra a sua função de servir de alerta para que nos tornemos um pouco mais humildes.

Felipe "Peixe" Gurgel said...

Kamila, so hj vim assistir a "A Última Noite". Meu Deus, que filme estranho!!! Sò consegui entender após ler o seu comentário, porque para uma pessoa totalmente 'de fora' fica muito complicado entender. Achei o filme muito sem pé nem cabeça... Uma história 'entendível' mas que fica nos deixa a pergunta: "Qual a moral da história?" Nam...

Kamila said...

Luiz, cada um tem a sua interpretação a respeito de um filme. A sua sobre "Babel" é muito interessante. Acho que a falta de comunicação entre as pessoas é somente um dos temas que o filme trata. Imigração é outro.

Felipe, já vi que "A Última Noite" foi sua introdução nos filmes do Robert Altman. Os filmes desse diretor são assim mesmo. Parecem que não fazem sentido, quando sentido é só o que eles têm. O filme, como disse no meu texto, fala sobre o momento em que o artista decide sair de cena. A nostalgia, o medo do futuro. Acho que "A Última Noite" é um ótimo filme - e, se você puder, confira outros filmes do Altman.

Kamila said...

Romeika, a gente já discutiu "A Rainha", mas, por ocasião do lançamento do melhor filme de 2006 no Brasil, vou fazer meu próprio texto sobre ele.

Aí, a gente pode discutir mais e mais. :-)

Túlio Moreira said...

Kamila, respondi seu comentário lá no CK sobre o Leo DiCaprio e o Scorsese...

Ah, por acaso vc conseguiu encontrar na net a imagem final de Babel? Queria ilustrar meu post com ela (é demais mesmo) mas não consegui encontrar...

Beijo!

Kamila said...

Túlio, procurei, mas não encontrei. Acho que só mesmo uma screen-caption dessa foto.

Beijo.

Túlio Moreira said...

Eu fiz uma de improviso com o trecho final do filme que está no YouTube, mas a qualidade ficou muito baixa. É incrível como os divulgadores do filme perderam a oportunidade de estampar também essa cena, que é de uma beleza irretocável.

Beijo.

Kamila said...

Túlio, acho que eles não fizeram uma fotografia desse momento, só para a gente não perder a surpresa. Realmente, a cena é de uma beleza incrível.

Beijo.

Túlio Moreira said...

Realmente. Foi impressão minha ou todos se identificaram bastante com a história da Chieko? Eu pelo menos sai do cinema fazendo silêncio absoluto e sinceramente aquela personagem hoje faz parte de mim...

(reflexões acerca de Babel, hehehehehe...)

Beijo!

Kamila said...

Acho que todo mundo se identifica com Chieko. Aliás, será que algum dia a gente deixa de se sentir como a Chieko? :-)

Beijo.