Saturday, March 10, 2007

Dreamgirls - Em Busca de um Sonho (Dreamgirls, 2006)


Quando o musical “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” chegar ao fim do seu primeiro ato, provavelmente as platéias brasileiras não vão fazer a mínima idéia sobre a importância que a cena que eles acabaram de assistir tem. Esse é o momento em que Effie Melody White (Jennifer Hudson) canta “And I’m Telling You I’m Not Going”, uma das canções mais clássicas – e lindas - da história da Broadway.

“And I’m Telling You I’m Not Going” é o ápice emocional da história de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”. Um ponto de transição crucial entre dois momentos. Se essa cena desse errado, não é exagero dizer que todo o filme iria por água abaixo. Talvez por isso o cuidado extremo do diretor e roteirista Bill Condon (um dos muitos presentes na noite de estréia do musical na Broadway, em 1981, a serem enfeitiçados por toda a inovação do espetáculo criado pelo diretor Michael Bennett, pelo letrista Tom Eyen e pelo compositor Henry Krieger), que, além de escalar com zelo sua Effie (Jennifer Hudson foi a escolhida entre mais de setecentas candidatas), trabalhou extensivamente com sua atriz e equipe cada verso, frame e instante do canto de Effie. Depois de assistirmos à cena na tela grande, fica a certeza de que o esforço de Condon valeu a pena, pois este é um dos momentos mais poderosos da história dos filmes de gênero musical – e, por quê não, de qualquer outro estilo.

A música sobre rejeição e sobre sonhos despedaçados que é entoada por Effie cai como uma luva para a trama de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”, filme que retrata a trajetória do grupo Dreamettes – que é formado, além da já citada Effie, por Deena Jones (Beyoncé Knowles) e por Lorrell Robinson (Anika Noni Rose) – em busca do sucesso. Ao longo de uma década, a platéia irá acompanhar a luta delas para chegar ao topo com todas as glórias e percalços que fazem parte desse caminho.

A sorte das Dreamettes irá mudar quando elas conhecem o empresário Curtis Taylor Jr. (Jamie Foxx), que logo as toma como protegidas e lhes dá a chance de ouro: trabalhar como backing vocal de Jimmy “Early” Thunder (Eddie Murphy), um cantor de sucesso. É justamente de Curtis a polêmica decisão de afastar a temperamental, talentosa e curvilínea Effie (que também é sua amante) dos vocais principais do grupo (que, agora, se chama The Dreams) em prol da linda Deena, que, na mente empresarial de Curtis, tem mais apelo comercial – levando àquela cena crucial sobre a qual falei no início do texto.

A partir daí, “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” se divide em duas linhas narrativas: a principal, que acompanha a jornada rumo ao sucesso de Deena Jones – que foi promovida também ao posto de esposa de Curtis – and the Dreams (com Michelle Morris, que é interpretada por Sharon Leal, no lugar de Effie) e a secundária, que mostra a decadência daqueles – Effie, Jimmy e o empresário Marty Madison (Danny Glover) – que viram seus sonhos serem aniquilados pelo faro empresarial – correto, porém cruel – de Curtis.

O filme tem muitos pontos positivos. O primeiro deles se encontra no lado técnico. A fotografia de Tobias A. Schliesser, os figurinos de Sharen Davis e a direção de arte de John Myhre, Tomas Voth e Nancy Haigh são extremamente luxuosas e nos fazem embarcar numa viagem por toda a história da virada da música negra americana a partir da chegada da gravadora Motown e do empresário Barry Gordy Jr. Há que se valorizar também o trabalho de direção de Bill Condon, que conduz com maestria o seu filme. No entanto, o segundo ato de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” revela aquilo que fica escondido no primeiro ato: a má construção dos personagens e a correria para se dar um desenrolar à história.

O elenco de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” é um show à parte. Todos os atores (com exceção de Jamie Foxx) estão à vontade em seus papéis. Talvez isso aconteça, pois o tema do filme é muito próximo de suas próprias realidades (a história do musical, por exemplo, é levemente baseada na trajetória de Diana Ross and the Supremes). Beyoncé Knowles, através de sua vivência no Destiny’s Child, conhece muito bem a dura rotina de um grupo (e toda dedicação, ciúme e intriga que nele existe). Além disso, ela ainda tem um Curtis na sua vida – o pai Mathew Knowles, que controla à mão de ferro a carreira da filha e era o empresário de seu antigo grupo. Jennifer Hudson também sabe o que é ser rejeitada – isso aconteceu com ela na terceira temporada do reality show "American Idol" – e todas essas sensações, além do trabalho particular com Bill Condon, fazem com que ela componha a sua Effie de maneira estupenda, numa das melhores performances femininas de 2006. Eddie Murphy, assim como Jimmy “Early” Thunder também conhece os altos e baixos da carreira no show business.

"Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” é um filme que celebra a música e, principalmente, o mecanismo por trás do show business. Por esta razão, não se tem a necessidade da associação da trama do filme ao movimento social negro dos anos 60 ou à Guerra do Vietnã. Através de Effie, Deena, Lorrell, Michelle, Curtis, Jimmy, Marty, C.C. (o irmão compositor de Effie White, interpretado por Keith Robinson); Bill Condon mostra os preços – altos, às vezes – que os nossos sonhos cobram. Ao mesmo tempo revela também que, não importa o quanto esses sonhos sejam altos, vale a pena vivê-los.

Cotação: 7,0

Crédito Foto: Yahoo! Movies

20 comments:

Anonymous said...

Kamila, pela resenha percebe-se que vc gostou muito do filme (direcao, elenco, numeros musicais), mas como eu, vc ficou desapontada com a edicao desenfreada do filme? Relembrando "Dreamgirls", achei o Jamie Foxx o mais apagado do elenco, e sem duvida, a Jennifer Hudson brilha no papel (ainda que dentre as indicadas ao Oscar, prefiro a Cate Blachett em "Notes on a scandal").

Mas eh isso mesmo, tudo acontece muito rapido, e nao ha tempo suficiente para construir bem os personagens e a historia, dando a impressao de que as Dreamettes nao tiveram que batalhar muito pra chegar ao sucesso.

E sinto muito, mas eu nao engulo aquele final...Parece que vc gostou do filme mais do que eu, que bom! Mas ainda assim ele nao cumpriu todas as suas expectativas de meses atras, nao?

Anonymous said...

Apesar de a maioria dos blogs terem metido o melho, gostei e muito de Dreamgirls (não concordo com a ausência dele do Oscar, pois era superior ao filme A Rainha). Essa menina - Jennifer Hudson - precisa ser mais explorada pelos estúdios. Ela vai longe! E devo aqui meus parabéns a Eddie Murphy. Ele realmente se superou (pena que a academia sempre deixa comediantes em segundo plano). Um filme prazeroso de se assistir.

(http://claque-te.blogspot.com): A Conquista da Honra, de Clint Eastwood.

Kamila said...

Romeika, "Dreamgirls" não cumpriu as expectativas que eu tinha de meses atrás, mas eu já sabia que o filme não iria cumprir.

Gostei bastante da edição do filme. O grande defeito de "Dreamgirls" é o roteiro. Os personagens, com exceção de Effie, são mal construídos; a idéia de colocar o pano de fundo histórico foi errada; a correria para terminar a história é notável; e o final feliz também me desagrada muito. O ideal seria vermos cada um dos membros do Dreamettes felizes à sua própria maneira.

Kamila said...

Roberto, sua afirmação de que "Dreamgirls" é um filme prazeroso de assistir é perfeita.

Espero que o Oscar de coadjuvante abre as portas para Jennifer Hudson. Espero que ela consiga bons papéis e trabalhar com bons diretores. O talento dela para a atuação é natural.

Também gostei bastante do Eddie Murphy.

Museu do Cinema said...

Estou com muito atraso dos cinemas, espero ver pelos menos 3 filmes essa semana. Um deles Dreamgirls.

Kamila said...

Cassiano, nesta semana, contando com "Dreamgirls", também vou assistir 3 filmes no cinema.

Túlio Moreira said...

Kamila, lendo sua resenha eu pensei que você daria uma nota maior. Mas enfim, que bom que Dreamgirls funciona também como um documento musical (como Walk the Line). Qual é o grande problema com o Jamie Foxx, que está sendo criticado por todos? Dos filmes que vi dele, apreciei bastante suas atuações.

Ah, e gostei bastante dos paralelos que você traçou entre os personagens e seus atores!

And I’m telling you I’m not going...

Bjo!

Otavio Almeida said...

Acho que o caso do Jamie Foxx está relacionado ao principal problema do filme: o roteiro (como disse a Kamila). Não no ator em si.

Kamila colocou muito bem que a única personagem bem desenvolvida é a da Jennifer Hudson. E há mesmo essa correria para terminar a história depois de uns momentos de enrolação...

Obs: Meu chefe viu o filme neste final de semana e me deu uns cascudos por causa da minha crítica. Ele adorou!

Abs a todos!

Kamila said...

Túlio, o Otávio disse bem. O maior problema com o personagem do Jamie Foxx, além do roteiro, é o desconforto que ele passa durante as cenas musicais.

Otávio: não acredito que seu chefe lhe deu uma bronca por causa de seu texto sobre "Dreamgirls". O seu texto fez jus ao filme.

Beijos.

Otavio Almeida said...

Ok, ok... mas é que dei uma estrelinha, né... ;-)

Bjs!

Túlio Moreira said...

Estava aqui pensando: gosto muito de musicais, mas definitivamente não "fui com a cara" de Dreamgirls... Aliás, acho que sou o único cinéfilo do mundo a preferir Chicago que Moulin Rouge!. Sem provocações!

bjo!

Kamila said...

Túlio, "Chicago" é um musical mais clássico e sofisticado. "Moulin Rouge!" é mais uma daquelas viagens loucas do Baz Luhrmann. Eu gosto dos dois filmes da mesma maneira.

Beijo.

Túlio Moreira said...

Kamila, eu costumo dizer que tenho o gosto fílmico meio "esquizofrênico": ao mesmo tempo em que gosto muito de experiências cinematográficas inovadoras, tal qual um Pulp Fiction, também aprecio muito filmes com estrutura mais que clássica, como é o caso de Chicago. Mas, claro, também gosto muito de Moulin Rouge!. Aliás, acho quase impossível não gostar desses filmes.

Bjo!

Museu do Cinema said...

Concordo Túlio, é impossivel não se apaixonar por Moulin Rouge, em termos de técnica cinematográfica, ele é perfeito, o roteiro é genial, os atores talentosissimos (o que num musical não é uma qualidade e sim uma necessidade) e a direção é absurdamente bem realizada, repare que os movimentos e os locais onde a camera tá são sempre uma foto perfeita, com cenários e atores enquadrados milimetricamente.

Kamila said...

Eu também tenho o gosto bem variado para filmes e assino embaixo do comentário do Cassiano sobre "Moulin Rouge!".

Anonymous said...

Aquele final feliz de "Dreamgirls" eh muito sem graça mesmo. Musical contemporaneo no cinema soh mesmo "Moulin Rouge", aquele eu nao me canso de assistir.

Fábio Dantas said...

Oi Kamila.
Sou lá do Hollywood Watch, da Ana Maria.
Passei rápido e gostei bastante do teor do teu blog.
“And I’m Telling You I’m Not Going” é a razão de ser de “Dreamgirls”, a única coisa genuína no filme. E Hudson, embora ache q em geral sua performance é superestimada, desemcumbe esta cena com brilho.
Depois, com tempo, conheço melhor teu blog.
[ ]ão, Fábio.

Kamila said...

Oi, Fábio.

Obrigada pela visita e pelo comentário.

"And I'm Telling You" realmente é a cena de "Dreamgirls". Uma das poucas cenas que empolgam no filme. Não acho que a performance de Jennifer Hudson seja superestimada. Acho que ela está muito bem e mereceu os prêmios que ganhou.

Abraço!

Wanderley Teixeira said...

Dreamgirls é mesmo um show em termos de musical.E o número protagonizado por Jennifer Hudson é mesmo crucial e feito de maneira exemplar pela atriz.Duvidei muito do potencial desse musical.Quebrei a cara...O filme só perde por tramas novelescas desnecessárias.

Kamila said...

Wanderley, o único problema de "Dreamgirls" é o roteiro, especialmente no segundo ato do filme.