Sunday, August 12, 2007

Lendo - "Grace"

“A face pública de Grace foi sua criação suprema, e sua maior virtude, num mundo muitas vezes falso e artificial, a de realmente ter se esforçado para parecer tão boa quanto parecia. Foi um ser humano falível, mas estava sempre pronta para aprender através de seus erros, fazendo mudanças reais em sua vida, à medida que começava a perceber o vazio e o custo do sonho que foi programada para perseguir. Manter para o público a imagem ilusória de felicidade junto a um homem que muitas vezes só lhe trazia desgosto fora a maior de suas performances, e ela desempenhou esse papel até o fim porque fizera um juramento – e também porque sabia que a felicidade em geral é complicada, e raras vezes satisfaz todos os desejos que uma pessoa pode ter. Grace Kelly, a princesa Grace de Mônaco, era autêntica. Sua beleza física refletia suas maiores qualidades, não era uma camuflagem. Teve sorte com a aparência, mas levou uma vida à altura de sua beleza física”. (Robert Lacey, “Grace”, pág. 336)

Grace Patricia Kelly foi predestinada a viver um conto de fadas. Nascida no dia 12 de novembro de 1929, na Filadélfia, ela cresceu no meio de uma família rica (dona de uma empresa de construção que fez fortuna ao conseguir contratos com o governo dos EUA) e cheia de glória. O pai, Jack Kelly, foi campeão olímpico no remo. A mãe, Ma Kelly, uma das poucas mulheres de sua época a cursar faculdade. Os Kelly sempre foram muito cobrados e Grace, que possuía uma personalidade submissa e cheia da necessidade de agradar e, principalmente, ser amada, foi um dos membros da família a ser mais suscetíveis a esse tipo de pressão e cobrança.

A biografia “Grace”, escrita por Robert Lacey em 1994, e que foi lançada no Brasil no ano seguinte pela editora Nova Fronteira, mostra que a vida de Grace foi marcada por muita intensidade. E foi com esse ardor que Grace se apaixonou pela atuação (por influência do Tio George, um famoso dramaturgo), fez seu nome como modelo quando morava em Nova York, viveu seus – muitos – amores e cresceu de forma impressionante em Hollywood. A intensidade também se fez presente no seu romance fulminante com o príncipe Rainier (1923-2005), de Mônaco, com quem ela se casou em 1956. E foram acontecimentos intensos (provavelmente uma briga com sua filha caçula Stephanie) aqueles que antecederam a sua morte, no dia 14 de Setembro de 1982, quando o carro em que ela dirigia caiu no meio das montanhas que rodeiam Mônaco.

Entretanto, um dos elementos mais interessante da biografia é a maneira como Robert Lacey revela aquilo que Alfred Hitchcock chamava de “as incongruências de Grace”. O diretor inglês foi um dos poucos a perceber que, por baixo de tanta neve, existia um vulcão – e ele soube explorar como nenhum outro a imagem de Grace como mulher de classe, elegância, mas que poderia ser sensual, sim, nos momentos menos esperados. Estas incongruências aparecem em alguns elementos muito interessantes da personalidade de Grace, como:

- Católica fervorosa, do tipo que estudou em colégio de freiras (até a morte, Grace manteve contato com as religiosas que as educaram) e que recorria à fé nos momentos mais difíceis de sua vida, Grace viveu – muitas vezes – “em pecado”, ao ter casos com homens casados (Ray Milland foi o mais notável deles) e perder a virgindade antes do casamento (passagens do livro relatam a preocupação de Grace, antes de se casar com Rainier, com um exame médico que revelaria a sua “condição”).

- A manutenção de uma imagem virginal e pura, quando, na realidade, Grace foi um furacão para os seus namorados, que se impressionavam com a sua sexualidade exacerbada – o livro tem inúmeros detalhes sobre as escapadelas sexuais de Grace Kelly e sobre como ela deixava todos os homens que a conheciam completamente loucos por ela.

- Grace sempre foi uma mulher extremamente independente. Saiu da casa dos pais cedo e começou a se sustentar sozinha também muito jovem. Peitou a MGM, lutando pela sua liberdade artística, quando o estúdio decidiu impor a ela as condições do contrato que ela havia assinado com eles. Mesmo assim, Grace mantinha uma posição submissa à vontade dos pais. Fazia tudo o que eles desejavam (desde acabar namoros; se afastar de companhias indesejáveis; tentar uma carreira no teatro, ao invés do cinema), mesmo que isso causasse a sua própria infelicidade, porque o que era mais importante para ela era causar orgulho especialmente no seu pai.


Robert Lacey ainda vai além ao dizer que o grande temor de Grace Kelly era o de que ela fosse desmascarada – que as pessoas, de alguma maneira, perdessem a crença nela como aquele ser modelo de elegância e de pureza. Quanta decepção ela teve quando sua própria mãe, nas vésperas de seu casamento com Rainier, lançou uma série de reportagens contando sobre seus casos amorosos. Quanto alívio ela teve quando Gwen Robyns (a escritora de uma de suas biografias) resolveu omitir seus inúmeros casos. Quantas vezes a própria Grace teve que fingir manter a vida de conto de fadas da Princesa com seu Príncipe que tanto inspirava jovens de todo mundo.

O mais curioso na trajetória de vida de Grace Kelly não foi a sua busca pela constante adulação ou pelo amor. Foi a maneira pela qual ela, de certa maneira, se reinventou ao longo dos anos. Grace herdou do pai essa garra, essa luta para buscar seus sonhos. Ela moldou seu sotaque, criou seu estilo (com a ajuda da visão de Alfred Hitchcock), abandonou a sua carreira no auge, mudou de vida, agarrou com afinco as obrigações de seu novo papel e, logo perto do fim, ensaiava a sua volta aos palcos, como leitora de poesias. E, se o maior medo de Grace era ser desmascarada, chega até a ser curioso o fato de ela ter morrido quando estava cheia de planos e tinha reencontrado o prazer de viver. Ela não tinha mais o medo de ser descoberta. Ela só queria ser feliz.

"Grace"
Autor: Robert Lacey
Editora: Nova Fronteira

17 comments:

Kamila said...

Não deu para colocar no texto, senão o post ia ficar ENORME, mas o YouTube tem três vídeos interessantes sobre a Grace e que ilustram muito a afirmação do Robert Lacey de que a Grace, na realidade, nunca abandonou Hollywood. O grande papel dela foi mesmo ser a Princesa de Mônaco.

Parte 1 do Especial da Movietone sobre o casamento de Grace e Rainier:
http://www.youtube.com/watch?v=rZxjNmR1SVo

Parte 2 do Especial da Movietone sobre o casamento de Grace e Rainier:
http://www.youtube.com/watch?v=HJXcE5KmSqM

Boletim jornalístico produzido pela Warner sobre a trajetória de Grace de atriz de Hollywood até Princesa de Mônaco:
http://www.youtube.com/watch?v=sEMjnS-Jd94

Aproveitem!

PS: E peço desculpas pela diferença na tipologia do post. Toda vez que eu coloco o texto antes da foto acontece isso, mesmo eu usando as mesmas configurações de sempre.

Marcus Vinícius said...

Kamila, muito legal postar sobre livros relacionados ao cinema. Eu não sabia da existência dessa biografia. Eu só imagino a quantidade de detalhes e histórias que a vida de uma estrela do calibre da Grace deve ter. Ah, e nem se preocupa com o Blogger, a gente sabe que ele é meio temperamental, hehehe. =D
Beijos!

Museu do Cinema said...

Excelente texto Kamila.

Sou fã da Grace Kelly, para mim a atriz mais bela do cinema mundial de todos os tempos.

Leitura obrigatória para mim com certeza! Será a próxima.

Anonymous said...

Belo texto, Kamila. Gostei que ficou extremamente detalhado e não conhecia muito sobre a atriz - apesar da sua vida estar entre as mais conhecidas da história de Hollywood. Sem dúvida foi uma belíssima atriz (falo mais no sentido da beleza, apesar de ser bem talentosa também).

Acho que só vi dois filmes dela. "Janela Indiscreta", claro, e "The Country Girl", pelo qual ganhou o Oscar.

Abraço!

Romeika said...

Kamila, nem notei a tipologia diferente, o texto estava tão agradável de ler que nem deu pra perceber. Esse blogger é doido mesmo, eu já tenho problemas do tipo...

Gostei muito do texto, um breve resumo que diz em poucas palavras muito do que foi a vida da Grace Kelly e sua personalidade. Vc tocou nos pontos principais, como a sua relação com a família e a falsa imagem puritana que ela passava.

Sei algumas poucas coisas da vida dela, por exemplo, não sabia que ela estava numa fase de renovação ao morrer, que triste. Esse livro deve ser ótimo. Depois vou dar uma olhada nos links.

Ah, gostei das fotos, traduzem duas facetas da personalidade dela muito bem.

Kamila said...

Marcus, mesmo a Grace tendo vivido somente 52 anos, ela teve uma vida rica de histórias e de personagens. A biografia dela é excelente. Recomendo a leitura.
E eu desisto do Blogger quando ele me apronta alguma.... rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Obrigada, Cassiano. Como fã da Grace, você tem que ler esse livro mesmo. Se você se interessar, o livro tem na Livraria Cultura para venda.

Vinícius, a gente conhece muito sobre o lado Princesa da Grace. O conto de fadas que ela viveu. Eu mesma só conhecia isso sobre ela. Por isso que a leitura da biografia foi interessante para mim, para perceber que a vida dela tinha muito mais do que esse lado principesco.

Romeika, a escolha das fotos foi proposital mesmo. Na primeira, uma Grace quase "Santa". Na segunda, uma Grace mais sensual. E essa incongruência dela foi uma das coisas mais fascinantes que eu descobri sobre a Grace ao ler o livro. Como você gosta muito dessa época de Hollywood, vai adorar os vídeos do Tube que eu sugeri - bem como o livro, se você se interessar.

Museu do Cinema said...

Sim Kamila, irei comprar com certeza, será minha próxima leitura. Estava esperando essa resenha e ela superou minhas expectativas.

Engraçado que a primeira coisa que me chamou a atenção na Grace foi seu rosto, ai comecei a ver seus filmes e me apaixonei pela atriz, e ai fui saber o porque dela abandonar tudo pelo sonho de princesa e me supreendi.

Parabéns mais uma vez.

Kamila said...

Cassiano, comigo foi justamente o contrário. Eu conheci a Grace quando, numa das viagens que eu fazia durante as férias para a casa da minha avó, folheei uma antiga revista Manchete especial sobre a morte dela, com fotos e a história de vida dela.

Confesso que, naquela época, nem me liguei muito na Grace. Só vim ligar o nome à atriz, quando assisti ao filme "Disque M Para Matar", há alguns anos.

Foi a partir daí que busquei mais coisas sobre ela. Assisti a mais filmes, assisti a alguns vídeos sobre a vida dela e achava fascinante como alguém conseguia abandonar um sonho pelo qual havia lutado tanto para se casar e ser princesa. Era uma coisa tão não convencional que me chamou a atenção.

Encontrar essa biografia foi um verdadeiro achado. Eu estava na Bienal do Livro de Natal, odiando tudo que tinha visto, quando me deparei com o livro no stand de um sebo daqui. Comprei-o por uma pechincha. O livro super bem cuidado.

Obrigada novamente e não deixe de ler o livro.

Romeika said...

Kamila, assisti os vídeos e adorei, principalmente o curto boletim jornalístico sobre a trajetória dela de modelo à atriz, de atriz à princesa. É sempre interessante ver as notícias daquela época, tão diferente de hj. Naquela época quase não se sabia das verdades por trás da "felicidade". Engraçado quando o narrador fecha o boletim dizendo "é claro, eles viverão felizes pra sempre", afff.. Quero ler o livro, sim. Estou com "Atonement" (vi que vc está lendo) há algumas semanas aqui em casa, quando terminar "The Painted Veil" tenho que lê-lo, e assim que eu o concluir vou procurar essa biografia da Grace.

Kamila said...

Romeika, esses boletins jornalísticos da época são bem peculiares mesmo. Tem toda uma maneira de contar as notícias. A narração no final, de "Felizes para sempre", realmente, é meio ridícula....

Você está lendo "The Painted Veil"??? Esse livro está na minha lista. Vou ver se encontro o livro para comprar.

Romeika said...

Sim, estou lendo o livro. Pelo que eu li até agora, a adaptação do livro ao cinema foi fiel. Abs!

Kamila said...

Eu ainda tenho que ler o livro e ver o filme.... :-(

Romeika said...

Vixe, ainda não saiu em dvd?:-S E quanto ao livro, relaxe, vc pode ler depois de ver o filme. Mas entendo como vc deve estar doida pra ver esse filme. Tomara que chegue logo em dvd.

Kamila said...

Ainda nem saiu em DVD, Romeika. Eu estou louca para ver este filme, e só escuto coisas boas sobre ele. Deve ser lançado em DVD até o final do ano, com certeza.

Romeika said...

Tomara que chegue o quanto antes!:-)

Kamila said...

Deus te ouça, Romeika. :-)

Anonymous said...

Good brief and this enter helped me alot in my college assignement. Thank you as your information.