
Numa tradução literal, “house of mirth” significa a casa do riso, da alegria. Depois que temos a oportunidade de assistir ao filme “A Essência da Paixão”, o por quê do uso do nome fica sem explicação – uma vez que todos os personagens da película são frios, racionais, raramente se deixam levar pela emoção e, quando riem, é porque estão caçoando de alguém.
“A Essência da Paixão”, filme dirigido e roteirizado por Terence Davies (tendo como base um livro de Edith Wharton, uma autora adaptada para o cinema no filme “A Época da Inocência”, de Martin Scorsese) acompanha dois anos da vida de Lily Bart (Gillian Anderson), uma dama da sociedade nova-iorquina que vive com a tia (Eleanor Bron) e a prima (Jodhi May) numa confortável casa. Lily é uma pessoa cheia de bons contatos, conhece muitas pessoas e, por isso, é um alvo certo das conversas e dos olhares de ambos os sexos.
Para a maioria das mulheres da sociedade, Lily está ficando velha e precisa arrumar um marido. Ela também tem consciência disso e se preocupa demais com seu futuro. O problema é a maneira como se dá o seu relacionamento com os homens. Lily não só tem a capacidade de se adequar àquilo que é esperado dela, como também consegue manter o seu verdadeiro eu exclusivamente para poucas pessoas – como à amiga Bertha Dorset (Laura Linney) e seu marido George (Terry Kinney), o Sr. Rosedale (Anthony LaPaglia), o casal Gus (Dan Aykroyd) e Judy Trenor (Penny Downie) e àquele que podemos considerar como o grande amor de sua vida Lawrence Selden (Eric Stoltz).
Quando os seus modos passam a ser questionados e o seu nome manchado injustamente, Lily entra numa descendente que parece não ter fim. Ela se descuida do dinheiro, acumula dívidas e é humilhada de todas as maneiras possíveis. Os amigos a abandonam e dos poucos que ficam ao seu lado, Lily não aceita ajuda. Ou seja, ela podia estar acabada, mas seu orgulho não estava ferido.
No final, “A Essência da Paixão” é um filme sobre oportunidades perdidas. Lily Bart aprende, da pior maneira, que não existem segundas chances para consertar aquilo que ficou de errado. Ela perdeu as oportunidades que teve para ser feliz. E, mesmo quando tinha as armas para reverter a sua situação, Lily não as utilizou por amor – um sentimento que lhe foi negado a partir do momento em que ela foi colocada na margem da sociedade.
“A Essência da Paixão” é um deleite para os olhos – e para os ouvidos. O trabalho de reconstrução de época, de construção de cenários e figurinos é impressionante. A trilha sonora – que reúne várias músicas clássicas famosas – é de chamar a atenção. No entanto, o que mais surpreende é a interpretação de Gillian Anderson. No seu primeiro papel importante depois de Dana Scully, a popular personagem do seriado “Arquivo X”, ela passa da frieza ao carisma, calculismo e inteligência de Lily com extrema facilidade. Quando a personagem atinge seu ponto mais baixo é incrível ver o mergulho de Gillian nesse mar de orgulho, tristeza e resignação que invadem a sua personagem.
Inexplicável é tentar entender como este filme passou despercebido por tanta gente. “A Essência da Paixão” é um dos melhores filmes sobre o estilo de vida das sociedades antigas (e suas festas e jogos de flertes e de aparências) e sobre como o necessário relacionamento entre homens e mulheres pode consumir tanto um ser a ponto de defini-lo para a vida toda.
Cotação: 9,5
Crédito Foto: Yahoo! Movies