“A face pública de Grace foi sua criação suprema, e sua maior virtude, num mundo muitas vezes falso e artificial, a de realmente ter se esforçado para parecer tão boa quanto parecia. Foi um ser humano falível, mas estava sempre pronta para aprender através de seus erros, fazendo mudanças reais em sua vida, à medida que começava a perceber o vazio e o custo do sonho que foi programada para perseguir. Manter para o público a imagem ilusória de felicidade junto a um homem que muitas vezes só lhe trazia desgosto fora a maior de suas performances, e ela desempenhou esse papel até o fim porque fizera um juramento – e também porque sabia que a felicidade em geral é complicada, e raras vezes satisfaz todos os desejos que uma pessoa pode ter. Grace Kelly, a princesa Grace de Mônaco, era autêntica. Sua beleza física refletia suas maiores qualidades, não era uma camuflagem. Teve sorte com a aparência, mas levou uma vida à altura de sua beleza física”. (Robert Lacey, “Grace”, pág. 336)
Grace Patricia Kelly foi predestinada a viver um conto de fadas. Nascida no dia 12 de novembro de 1929, na Filadélfia, ela cresceu no meio de uma família rica (dona de uma empresa de construção que fez fortuna ao conseguir contratos com o governo dos EUA) e cheia de glória. O pai, Jack Kelly, foi campeão olímpico no remo. A mãe, Ma Kelly, uma das poucas mulheres de sua época a cursar faculdade. Os Kelly sempre foram muito cobrados e Grace, que possuía uma personalidade submissa e cheia da necessidade de agradar e, principalmente, ser amada, foi um dos membros da família a ser mais suscetíveis a esse tipo de pressão e cobrança.
A biografia “Grace”, escrita por Robert Lacey em 1994, e que foi lançada no Brasil no ano seguinte pela editora Nova Fronteira, mostra que a vida de Grace foi marcada por muita intensidade. E foi com esse ardor que Grace se apaixonou pela atuação (por influência do Tio George, um famoso dramaturgo), fez seu nome como modelo quando morava em Nova York, viveu seus – muitos – amores e cresceu de forma impressionante em Hollywood. A intensidade também se fez presente no seu romance fulminante com o príncipe Rainier (1923-2005), de Mônaco, com quem ela se casou em 1956. E foram acontecimentos intensos (provavelmente uma briga com sua filha caçula Stephanie) aqueles que antecederam a sua morte, no dia 14 de Setembro de 1982, quando o carro em que ela dirigia caiu no meio das montanhas que rodeiam Mônaco.
Entretanto, um dos elementos mais interessante da biografia é a maneira como Robert Lacey revela aquilo que Alfred Hitchcock chamava de “as incongruências de Grace”. O diretor inglês foi um dos poucos a perceber que, por baixo de tanta neve, existia um vulcão – e ele soube explorar como nenhum outro a imagem de Grace como mulher de classe, elegância, mas que poderia ser sensual, sim, nos momentos menos esperados. Estas incongruências aparecem em alguns elementos muito interessantes da personalidade de Grace, como:
- Católica fervorosa, do tipo que estudou em colégio de freiras (até a morte, Grace manteve contato com as religiosas que as educaram) e que recorria à fé nos momentos mais difíceis de sua vida, Grace viveu – muitas vezes – “em pecado”, ao ter casos com homens casados (Ray Milland foi o mais notável deles) e perder a virgindade antes do casamento (passagens do livro relatam a preocupação de Grace, antes de se casar com Rainier, com um exame médico que revelaria a sua “condição”).
- A manutenção de uma imagem virginal e pura, quando, na realidade, Grace foi um furacão para os seus namorados, que se impressionavam com a sua sexualidade exacerbada – o livro tem inúmeros detalhes sobre as escapadelas sexuais de Grace Kelly e sobre como ela deixava todos os homens que a conheciam completamente loucos por ela.
- Grace sempre foi uma mulher extremamente independente. Saiu da casa dos pais cedo e começou a se sustentar sozinha também muito jovem. Peitou a MGM, lutando pela sua liberdade artística, quando o estúdio decidiu impor a ela as condições do contrato que ela havia assinado com eles. Mesmo assim, Grace mantinha uma posição submissa à vontade dos pais. Fazia tudo o que eles desejavam (desde acabar namoros; se afastar de companhias indesejáveis; tentar uma carreira no teatro, ao invés do cinema), mesmo que isso causasse a sua própria infelicidade, porque o que era mais importante para ela era causar orgulho especialmente no seu pai.
Robert Lacey ainda vai além ao dizer que o grande temor de Grace Kelly era o de que ela fosse desmascarada – que as pessoas, de alguma maneira, perdessem a crença nela como aquele ser modelo de elegância e de pureza. Quanta decepção ela teve quando sua própria mãe, nas vésperas de seu casamento com Rainier, lançou uma série de reportagens contando sobre seus casos amorosos. Quanto alívio ela teve quando Gwen Robyns (a escritora de uma de suas biografias) resolveu omitir seus inúmeros casos. Quantas vezes a própria Grace teve que fingir manter a vida de conto de fadas da Princesa com seu Príncipe que tanto inspirava jovens de todo mundo.
O mais curioso na trajetória de vida de Grace Kelly não foi a sua busca pela constante adulação ou pelo amor. Foi a maneira pela qual ela, de certa maneira, se reinventou ao longo dos anos. Grace herdou do pai essa garra, essa luta para buscar seus sonhos. Ela moldou seu sotaque, criou seu estilo (com a ajuda da visão de Alfred Hitchcock), abandonou a sua carreira no auge, mudou de vida, agarrou com afinco as obrigações de seu novo papel e, logo perto do fim, ensaiava a sua volta aos palcos, como leitora de poesias. E, se o maior medo de Grace era ser desmascarada, chega até a ser curioso o fato de ela ter morrido quando estava cheia de planos e tinha reencontrado o prazer de viver. Ela não tinha mais o medo de ser descoberta. Ela só queria ser feliz.
"Grace"
Autor: Robert Lacey
Editora: Nova Fronteira